Certa vez conheci duas meninas lindas que me contaram uma experiência que se passara com elas. Uma era branca, loira, cabelos lisos escorridos, pele muito clara, parecia um papel, como um diamante transparente, quase albina e, a outra era morena, negra, cabelos cacheados, pele bem escura como uma linda turmalina, um ônix, ambas eram como pedras preciosas de tonalidades diferentes. As duas meninas se conheciam da escola, moravam na mesma rua, mas nunca haviam se aproximado. Passavam uma pela outra, esboçavam um sorriso, acenavam levemente mas não se falavam. Ambas tinham avós e gostavam muito de sair com elas, eram senhoras carinhosas com as netas, pessoas muito boas que faziam obras de caridade, mas devido à época em que foram criadas tinham uma cultura preconceituosa.
A avó da menina branca dizia que se ela tocasse na menina negra contrairia uma doença e ficaria preta, a avó da menina negra dizia a ela que se tocasse na menina branca iria desbotar sua linda cor e ficaria tão branca que poderia até sumir. Usavam exemplos para convencer as meninas. Para a menina negra, a avó falava que ela se comparava a uma roupa colorida, bonita, se fosse colocada em um varal para secar ao sol muito forte desbotaria, perderia sua linda tonalidade. Da mesma forma, a avó da menina branca falava que ela era como uma roupa branquinha, que se caísse do varal no barro ficaria escura, perderia sua tonalidade alva.
Duas pessoas que mesmo tendo uma concepção racista, tinham um só pensamento, isto provava que a cor da pele não as fazia diferentes, eram muito parecidas.
Um dia, a cidade foi acometida de uma virose e várias pessoas foram parar no hospital, entre elas as duas meninas, uma em cada quarto, um ao lado do outro. Então elas precisaram ir ao banheiro que ficava no corredor e, finalmente se aproximaram. Ficaram tão felizes ao se verem tão de perto, sorriram como sempre faziam uma para a outra e, aproveitando que as avós tinham ficado nos quartos, se aproximaram e deram as mãos, uma cena emocionante. Mas logo lembraram das palavras das avós e correram para lavar as mãos, amedrontadas, se mudassem de cor elas perceberiam que se tocaram.
Algum tempo se passou e perceberam que nada havia acontecido de ruim com elas por se tocarem, continuavam com suas lidas cor de pele, pelo contrário, nasceu dentro delas um sentimento muito bom, um amor fraternal, porém durante algum tempo mantiveram um sentimento não tão agradável, o remorso por terem lavado as mãos naquele dia, por terem dado ouvidos a palavras racistas e preconceituosas, por terem perdido tempo com bobagens.
Quando moças, saíam sempre juntas, tornaram-se grandes amigas, ambas foram nos funerais da avó da outra, pediam a Deus que tivesse misericórdia delas pois não tinham culpa de tamanho racismo, foram instruídas a ter este pensamento desde criança, eram pessoas boas apesar de tudo. Pobres coitadas!
Esta foi uma história de racismo mas, como essa, existem muitas outras de preconceito. As vezes por não pertencer a mesma religião ou classe social, por exemplo.
Quando uma criança nasce não vem com selo identificando quem ela vai ser. Todos os bebês nascem exatamente igual, da mesma forma, são gerados, normalmente por nove meses e saem da barriga de uma mulher. Independentemente de sua condição, se é pobre ou rica, de qualquer raça, ao nascer a criança nada mais é do que um bebê lindo, inocente que foi concebido e gerado da mesma forma. Ele nasce sem roupa, sem formação de caráter, sem bens materiais, todos exatamente iguais, lindos, precisando de cuidado e amor. Embora alguns partos sejam mais ou menos complicado, os bebês são iguais, fofinhos.
Mas então eles vão crescendo e só então começam a adquirir o selo da vida, aí será determinado quem serão, o que representarão para a sociedade. Por isso existe um mandamento deixado por Deus para que não julgássemos, não fizéssemos acepção de pessoas, amassemos ao próximo como a nós mesmos. Embora as vezes aconteçam situações que nos deixam aflitos, com vontade de falar mal do outro, atitudes que alguns seres humanos tomam que mostram um caráter adverso ao que deveria ser o correto.
Mas então surge algumas dúvidas, perguntas que não querem calar... de onde viemos, quem somos, quem éramos ao nascer, porque temos pensamentos tão diferentes? Se raciocinarmos com clareza, viemos todos do mesmo lugar, da barriga de uma mãe e éramos bebês bonitinhos e sem roupa como todos os outros.
“A vida é uma escola”, diz um ditado popular, e realmente ela é. Nem todos têm a mesma sorte, as mesmas condições, as mesmas oportunidades. Uns são criados num lar muito pobre, alguns até passam fome; outros são criados num lar muito rico, grande fartura. Mas ainda não é esse o fator que determina o caráter de uma pessoa. Um pouco do caráter pode até ser que venha na genética, acredito que a parte que se refere a personalidade, se é calmo ou explosivo, por exemplo. Mas a maior parte se adquire através do mundo exterior, da vivência, das pessoas que vai conhecendo ao longo do percurso. Daquelas pessoas que são como anjos em suas vidas ou daquelas que são verdadeiros demônios, do que lhe oferecem que pode ser muito bom, ou parecer bom e ser terrível como as drogas que jovens inocentes experimentam num momento ilusório e acabam com suas vidas e de muitas outras pessoas.
O caráter também é adquirido através das alegrias, das decepções, dos amores bem vividos, dos relacionamentos frustrados, das amizades importantes e boas que podem ser adquiridas na escola, na rua, ou em qualquer outro lugar, das influências negativas, da discriminação que sofreu, da rejeição de um pai, são tantas as causas que formam um bom ou mal caráter.
Vários fatores vão tornar o bebê que nasceu puro, inocente e lindo numa boa ou má pessoa. Alguns dizem que nada justifica uma atitude errada ou um mal comportamento, mas você viveu na pele da pessoa, passou o drama que ela passou, sofreu tudo o que ela sofreu? Alguns são vítimas de uma sociedade preconceituosa e querem mudar de vida, precisam apenas de uma oportunidade, outros se acostuma e passam até a gostar da vida pregressa que levam, tornam-se marginais e não querem mudar, até que são presos ou mortos. Mas creio que Deus da oportunidade a todos de reconhecerem seus erros e mudarem de vida mas muitas vezes quando percebem que existe essa oportunidade já não há mais tempo.
Difícil mesmo é ser bom quando tudo vai mal, mesmo assim muitos o são... a casa está desabando na sua cabeça e a pessoa quer ajudar os outros, porque será? Provavelmente porque ela tem um caráter que não vem de genética, mas da sabedoria que conseguiu ao longo dos anos. Existem pessoas que aprendem com suas aflições, existem pessoas que se tornam melhores quando passam por dificuldades mas existe outras pessoas que se tornam revoltadas, descontando em todos ao seu redor todo o mal que lhes foi imposto.
Algumas pessoas foram amadas mesmo em situações financeiras extremamente precárias o que as fez cidadãos de bem, e outras que tiveram tudo de bens materiais mas não tiveram amor e por isso passam aquilo que lhes foi transmitido, a frieza de sentimentos.
O importante para uma boa formação do ser humano é o que se planta ao longo de sua vida. O mal e o bem são sementes que plantamos e que cedo ou tarde teremos que colher seus frutos, por isso cuide do que planta.
Não julgue, ame, se o outro lhe machucar apenas ore por ele. Parece impossível fazer isto quando a pessoa nos machuca e realmente não é nada fácil, mas lembre-se que ela nasceu como você, da mesma forma, a vida a modificou, a fez diferente. Pode acontecer com alguém da sua família...não olhe a aparência, o exterior, pense que por trás daquele ser rude existe uma pessoa que veio ao mundo como você, igualzinho.
E se esta pessoa está te ferindo hoje, amanhã terá uma colheita nada boa, pobre coitada, como as avós das meninas de quem lhes contei a história.
O preconceito de qualquer espécie é mesmo muito triste, como no livro A Fazenda das Borboletas, de minha autoria, a personagem Mariana é autista, ela é vítima das ironias das coleguinhas de escola, e na parte dois do livro que está quase pronta além dela existe outra personagem que sofre de alguma forma de preconceito. É preciso tratarmos destes assuntos mesmo que usando a forma de romance como é o caso desta história de época que se passa na pequena cidade de São José do Norte, uma história de amor, superação e preceitos familiares e morais.
No primeiro livro a protagonista Ana Carmela, vive em uma época machista em que mulher era criada para casar e cuidar dos filhos porém ela tinha grandes sonhos de voar mais alto, de sair da dita ”zona de conforto “ imposta pelos pais e pela sociedade.
No segundo, sua missão vai além do esperado, com uma filha adolescente e autista e mais alguém que surgirá em sua vida com algumas dificuldades ela precisará de muito amor, nada de preconceito, sabedoria e paciência para lidar com as situações que a vida irá lhe impor.
Quando compramos um eletro-doméstico adquirimos junto um manual que dirá a maneira correta de usar o aparelho para que não se estrague, que tenha uma boa serventia, da mesma maneira nós, os seres humanos, temos um manual de vida para que tenhamos um bom funcionamento, um desempenho satisfatório. O livro mais lido e antigo do mundo foi inspirado pelo próprio criador, assim como os eletros quando são criados vem com o seu manual, nós também fomos criados com um manual de fabricação que dita a maneira de comportamento, a forma certa de agirmos, regras básicas que podem transformar a vida de qualquer pessoa se for lido e entendido. Mas como todo o manual, que vem com qualquer aparelho, a Bíblia é de difícil compreensão, e como todo o manual não o lemos, vamos logo ligando o aparelho de qualquer forma, da maneira que pensamos ser corretos, só nos damos conta do erro quando o aparelho que aparentava ser o melhor apresenta falhas.
No livro A Fazenda das Borboletas, Ana Carmela ganha de presente nos seus dezoito anos uma bíblia, ela a coloca em uma gaveta e a esquece, depois de passar por várias tribulações, ela lembra do presente e resolve dar uma olhada, fica surpreendida com o que encontra no meio dela, algo que poderia ter mudado toda a sua história, poderia ter evitado muitas lágrimas, com certeza se a tivesse aberto no dia em que a recebeu teria feito tudo diferente. Mas há situações que é necessário que passemos para nos tornarmos seres melhores, o problema é quando não temos este entendimento e o ensinamento que a vida está nos dando nos torna piores. Há pessoas que se fortalecem diante das dificuldades, choram, sofrem mas reagem, aprendem e se tornam fortes, outras se tornam frágeis, vulneráveis e chegam ao ponto de cometer suicídio, que está se tornando o mal do século, muitas pessoas entrando em depressão. Há pessoas que se tornam melhores, querem ser a diferença e ajudar outras pessoas que enfrentam seus problemas com dificuldades, mas há também aquelas que se tornam piores, querem fazer tudo de ruim para os outros, matar, roubar...
É extremamente complicado entender o ser humano, as vezes o ajudado de hoje se torna o ajudador de amanhã mas, infelizmente, as vezes isso não acontece, bem ao contrário o ajudado de hoje se torna o seu pior inimigo, você o ajuda hoje e amanhã ele lhe apunha-la pelas costas de uma forma cruel, sem dó nem piedade, com “requintes de crueldade”. Mas não percamos a esperança, a situação pode ser o oposto desta, o ajudado de hoje, que pode ser considerado um inimigo da sociedade vai se tornar naquela pessoa que vai nos ajudar a passar por algo que nunca imaginávamos que poderíamos passar.
Por todos estes motivos, todas estas considerações devemos fazer o bem não importando qual a situação estamos atravessando, se queremos uma colheita boa vamos semear o bem, mesmo que na primeira colheita venha alguns inços junto, aprendermos e na próxima será mais frutífera , mais limpa, saudável.
Racismo, preconceito, falta de amor, são sementes podres que plantamos e que certamente trarão só coisas muito ruins . E mesmo quando plantamos sementes boas e colhemos alguns inços usaremos esta experiência para limpar a plantação, jogar fora o que não é bom e modificar a maneira de fazer o plantio. “O amor tudo suporta”, embora essa frase pareça uma ironia é a mais pura verdade, aonde há amor tudo suportamos, a pior cruz que carregamos passa a ser mais leve quando entendemos que com amor conseguiremos vencer as barreiras.
Lembre-se sempre que nascemos todos iguais, a vida é que nos molda, nos transforma, nos faz melhores ou piores. É fácil apontar o dedo para o marginal e o acusar mas não sabemos o que o transformou em alguém assim, ele nasceu da mesma forma que nós... pode ser que tenha nascido em um lar bom e encontrado ao longo dos dias situações, “parcerias” que os modificaram, ou pode ter nascido em um lar em que já predomina o mal, em que os próprios pais os ensinam o caminho do mal. Talvez um dia esta pessoa encontre a sua frente o manual da vida, leia e se modifique, passe a ser uma semente boa, e talvez seja sempre uma semente ruim e só cause o mal...mas quando esta semente germinou e foi concebida ela não tinha um selo, não tinha como saber se seria boa ou ruim, assim como nós. Todos somos iguais, sementes plantadas no útero de uma mulher, germinadas, nascidas da mesma forma, para sermos regados com água boa, cristalina ou água suja, poluída. Pense, reflita, como você se considera, alguém nada preconceituoso, alguém que ama ao próximo independente de sua cor, classe social ou temperamento?
Lembre-se que nascemos todos iguais! Pode olhar aquela foto antiga que sua mãe guardou com tanto carinho de você, verá que tem ali um bebezinho lindo.
Com isso, não estou querendo defender a marginalidade, respeito todas as opiniões, e posso afirmar que já fui muito prejudicada por “sementes ruins”, mas antes de julgar que tal se não formos egoístas e orarmos somente por nós mesmos para que tenhamos bênçãos, possamos orar pelo todo, pelo outro, por aquele que nos fere. Parece idiotice mas se fizermos tal oração, se plantarmos hoje essa sementinha do bem chamada amor, consigamos colher algo melhor no futuro...bem complicado...mas nada impossível.
Sejamos luz na escuridão, sejamos amor na guerra, sejamos água limpa na semente ruim, sejamos apenas um ser humano que nasceu igual a todos, inocente, puro, lindo.
Deus nos abençoe para que consigamos ser melhor do que aquele a quem julgamos ruim, porque ao julgarmos nos tornamos pelo menos parecidos.
Somos todos iguais, nascemos iguais e morremos iguais... a vida nos transforma... para onde iremos? Cuide da sua semente, faça-a florescer e dar bons frutos mesmo em meio a doloridos espinhos.
Simplesmente ame e deixe que Deus cuide do resto.
Tania Costa - Escritora
Capão da Canoa , RS, 18/outubro/ 2020
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