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Érica Neri Camargo

CONSTITUIÇÃO DA COAUTORIA: PRÁTICA COLABORATIVA DE ESCRITA DE UM INFOGRÁFICO

Atualizado: 24 de mai.

CONSTITUTION OF CO-AUTHORSHIP: COLLABORATIVE PRACTICE OF WRITING AN INFOGRAPHIC


 

Informações Básicas

  • Revista Qualyacademics

  • ISSN: 2965-9760

  • Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).

  • Recebido em: 18/05/2024

  • Aceito em: 20/05/2024

  • Revisado em: 21/05/2024

  • Processado em: 23/05/2024

  • Publicado em 24/05/2024


 




Como referenciar esse artigo Camargo (2024):


CAMARGO, Érica Neri. Constituição da coautoria: Prática colaborativa de escrita de um infográfico. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 128-148. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.009



Autora:


Érica Neri Camargo

ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3089-6402 - Professora da rede estadual do Paraná desde 2012; Doutoranda em Estudos da Linguagem (UEL); Mestra em Letras (UEL); Especialista em Educação Especial (UCP), Especialista em Gestão Escolar (UNINA) e Especialista em Gestão de Pessoas com Coaching (FTED). – Contato: ericaneri.camargo@uel.br 




RESUMO


Este texto apresenta algumas reflexões sobre a aplicação de uma prática colaborativa de escrita (PCE) em uma turma de 1ª série do Ensino Médio de uma escola pública, realizada extraclasse, por meio das ferramentas digitais (Whatsapp e Canva). Esse processo de criação textual ocorreu ao final de uma elaboração didática concebida teórico-metodologicamente a partir da perspectiva dialógica da linguagem, sendo composta por atividades relacionadas às práticas de leitura, de escuta, de oralidade, de escrita e de análise linguística/semiótica dos gêneros conto e infográfico. Os registros das conversas dos estudantes permitiram não só a visualização do funcionamento da alteridade e do dialogismo presentes na dinâmica de negociação que ocorreu durante a atividade de escrita, como também, a partir desses processos, o reconhecimento e o acompanhamento de um percurso de construção da coautoria.

 

Palavras-chave: Coautoria; Práticas colaborativas de escrita; Perspectiva dialógica da linguagem.

 

ABSTRACT

 

This text presents a report on the application of a collaborative writing practice (CWP) in a 1st grade high school class at a public school, carried out outside class, using the digital tools (Whatsapp e Canva). This process of textual creation occurred at the end of a didactic elaboration theoretically-methodologically conceived from the dialogic perspective of language, consisting of activities related to the practices of reading, listening, speaking, writing and linguistic/semiotic analysis of genres. short story and infographic. The records of the students' conversations not only allowed the visualization of the functioning of alterity and dialogism present in the dynamics of negotiation that occurred during the activity, but also, based on these processes, the recognition and monitoring of a path towards building co-authorship.   

 

Keywords: Co-authorship; Collaborative writing practice; Dialogical perspective of language.


1. INTRODUÇÃO

 

É notória a presença de problemas relacionados ao desenvolvimento de práticas de escrita na escola que (ainda) desafiam educadores e pesquisadores brasileiros, tendo ganhado novos contornos em função do cenário pandêmico que se iniciou no ano de 2020, o qual impôs, forçada, tardia e precariamente o uso de tecnologias digitais pelos professores em todas as escolas estaduais paranaenses. O impacto dessas mudanças no ambiente escolar, evidenciou, ainda mais, a chamada Educação 4.0 (GAROFALO, 2018), caracterizada pela integração das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) e das diferentes mídias digitais, das Metodologias Ativas de Aprendizagem e do trabalho colaborativo (DAMIANI, 2008).


Entretanto, antes mesmo desse contexto de ensino remoto, no tocante ao ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa, por exemplo, a BNCC, Base Nacional Comum Curricular, em vigor desde 2018, já orientava que deveriam ser considerados os novos modos de significação e diferentes linguagens das práticas da cultura digital, de forma a propiciar ao estudante uma participação mais efetiva e crítica nas práticas contemporâneas de linguagem, permitindo-o “apropriar-se das linguagens da cultura digital, dos novos letramentos e dos multiletramentos para explorar e produzir conteúdo em diversas mídias, ampliando as possibilidades de acesso à ciência, tecnologia, cultura e ao trabalho” (BRASIL, 2018, p. 475).


A partir dessas constatações, bem como da necessidade de criar atividades coerentes com o contexto sócio-histórico-cultural dos estudantes, desenvolvemos, desde 2019, um trabalho de investigação acerca das práticas colaborativas de escrita em contextos da educação básica pública[1]. A partir dessas reflexões, decidimos, então, observar o funcionamento da alteridade e do dialogismo durante a dinâmica de negociação que ocorre durante a prática colaborativa de escrita, como também, a partir desses processos, vai-se construindo um percurso de coautoria. Para isso, aplicamos uma sequência de atividades focada no gênero discursivo infográfico, culminando em uma atividade colaborativa de escrita para ser realizada extraclasse, utilizando o aplicativo WhatsApp para as interações e negociações entre os alunos e o aplicativo Canva para a produção dos textos. Os dados foram gerados a partir do registro das conversas dos estudantes nos aplicativos mencionados.


Os resultados apresentados neste texto são um recorte dessa prática, focalizados especificamente na prática colaborativa de escrita de um infográfico. Na seção seguinte, apresentamos alguns apontamentos teóricos, seguidos dos percursos metodológico e analítico da nossa investigação.

 

2. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

 

Admitindo que todo ponto de vista é a vista de um ponto (BOFF, 1997) e que todo ato pedagógico é um ato político (FREIRE, 1985), os aspectos social, histórico e cultural são os norteadores do posicionamento político-ideológico (VYGOTSKY, 1998; FREIRE, 1985; SAVIANI, 2003) adotados nesta prática e, consequentemente, das escolhas teórico-metodológicas, cujos conceitos principais são retomados abaixo em linhas gerais.


A perspectiva dialógica (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2006[1929]), confere à linguagem uma natureza social, que considera a interação verbal como a realidade fundamental da língua, destacando os aspectos enunciativo-discursivos das relações dialógicas entre sujeitos situados socio-historicamente (BAKHTIN; VOLOCHÍNOV, 2006[1929]), os quais formulam e valoram seus enunciados/discursos a partir de enunciados/discursos anteriores de outros e os fazem direcionados a outros sujeitos que também produzem significações e valoram o dizer pelo mesmo processo de apropriação das palavras de outrem.


Também os conceitos vygotskyanos de interação e aprendizagem explicam que é na relação com o outro, com a natureza, com a cultura e com a história dessas relações que o ser humano produz sentidos. Vygotsky (1998) defende que é no processo ativo de interação e de troca de experiências que o conhecimento é construído socialmente, em experiências individuais e coletivas, em situações reais, pela interação por meio de signos, símbolos e instrumentos/artefatos culturais e objetos (REGO, 2007), sendo a linguagem um deles.


Dessa forma, o texto deve ser compreendido em suas múltiplas possibilidades semióticas (SOBRAL, 2013), considerando que no processo de interação dialógica, o sujeito toma posição diante de discursos e vozes para a produção de discursos/sentidos. Francelino (2007), ancorado no dialogismo bakhtiniano, define a autoria como a organização das vozes que compõem e integram o discurso. É o reconhecimento de que a autoria é constituída a partir da heterogeneidade e dialogicidade da linguagem, bem como da alteridade percebida nos processos de criação discursiva. Nesse sentido, “a autoria é sempre coletiva/social e pode ser percebida através da expressão de sentidos (linguagem) como também pela atualização nos contextos de realidade (ação)” (SOUZA, 2008, p. 5).


A partir dessas sustentações, a escrita é concebida como um trabalho processual de produção de sentidos (GERALDI, 1991;1994; FIAD; MAYRINK-SABINSON, 1991), marcada pela ambiguidade e opacidade dos sentidos e diversidade linguístico-histórica dos sujeitos (CORRÊA, 2013). É uma prática social simbólica, devendo ser apreendida a partir do seu funcionamento linguístico-discursivo, considerando sua dimensão histórica, linguística e ideológica como lugar de identificação e de transformação do sujeito e de sua realidade (BAKHTIN/ VOLOCHÍNOV, 2006[1929]).


No atual cenário tecnológico, surgem inúmeros recursos multimodais (KRESS & VAN LEEUWEN, 2001) e multissemióticos que propiciam novas formas de produção, configuração e circulação dos textos, as quais podem ser articuladas “em torno da acepção bakhtiniana de esfera/campo de comunicação/circulação dos discursos, porque ela possibilita uma contextualização socio-histórica dos gêneros e práticas de linguagem” (ROJO; BARBOSA, 2015, p. 133), permitindo ampla heterogeneidade e inúmeras possibilidades de manifestação dos gêneros.


A preocupação em articular educação linguística e contemporaneidade, especialmente em relação às múltiplas linguagens e culturas e novas tecnologias, levou ao desenvolvimento da Pedagogia dos Multiletramentos (CAZDEN et al., 1996), uma abordagem de ensino que orienta a incorporação da pluralidade de textos (línguas, linguagens, materialidades) circulantes e oferece subsídios teórico-metodológicos para a valorização das práticas culturais locais como ponto de partida para uma prática transformadora (ROJO, 2012), propiciando ao estudante participar mais efetiva, crítica e colaborativamente nas práticas contemporâneas de linguagem.


Essa abordagem proporciona novos contornos às práticas colaborativas de escrita (PCE), que há muito estão presentes no contexto escolar. As PCE “são um processo colaborativo de construção sentidos” (PINHEIRO, 2011, p. 97), “que envolve uma equipe focada em um objetivo comum, que negocia, coordena e se comunica durante a criação de um documento comum” (LOWRY; CURTIS; LOWRY, 2004, p. 73). Além disso, são um processo desenvolvido por meio de estratégias de interação - presenciais e/ou online, em tempo real ou não, escritas, em áudio ou em vídeo - utilizando, ou não, tecnologias digitais como instrumentos mediadores, que possibilita contemplar todas as dimensões do ensino de língua materna - a produção de texto, a leitura, a oralidade (produção e escuta) e a análise linguística/semiótica, por meio de atividades on-line/off-line, presenciais/remotas digitais/analógicas, síncronas/assíncronas.


Após essa breve explicitação dos aspectos teórico-metodológicos que fundamentam nossa prática docente, apresentamos algumas informações gerais sobre os sujeitos envolvidos e o contexto em que se deu a realização dessa atividade.


LOCAL: Colégio Estadual Cívico-Militar, localizado em uma região periférica na cidade de Arapongas-PR. A escola possui o Ensino fundamental II, Ensino Médio e Ensino Médio Profissionalizante, atendendo no ano 2022, aproximadamente, 650 alunos, distribuídos nos turnos matutino e vespertino.


SUJEITOS: 32 estudantes de uma turma de 1ª série do Ensino Médio do período matutino. A opção por trabalhar com esses estudantes é porque essa faixa etária tem o hábito de interagir no mundo virtual e tem acesso, diariamente, a inúmeras manifestações de linguagem em sua multimodalidade (escrita, sonora, icônica, imagética etc.), fator esse que contribuiu para o desenvolvimento da tarefa. Passamos, agora, à descrição dos procedimentos metodológicos.

 

3. ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS

 

As atividades desenvolvidas faziam parte de uma sequência de atividades que consistia, basicamente, em uma progressão de aulas – atividades de prática de leitura/escuta e de análise linguística/semiótica –, sobre o gênero discursivo (em suas dimensões extraverbal e verbo-visual), desenvolvida em sala de aula, seguida da prática colaborativa de escrita, executada extraclasse, utilizando ferramentas digitais.


Como mediadoras do processo de ensino-aprendizagem, foram escolhidas três ferramentas digitais de fácil manuseio, conforme a experiência vivenciada no ensino remoto durante a pandemia da Covid-19. Essas ferramentas se mostraram bastante oportunas para trabalhar a escrita colaborativa no contexto escolar, apesar de não serem consideradas precipuamente para essa finalidade: WhatsApp e Canva.


O WhatsApp faz parte tanto da vida escolar como da vida pessoal dos estudantes, sendo conhecido por todos os sujeitos. Esse aplicativo possibilita a conversa instantânea, assim como na interação face-a-face, que se caracteriza por meio de um tipo de comunicação síncrona ou não.


Já o Canva, é uma ferramenta digital on-line gratuita bastante intuitiva e de fácil manuseio, também disponível para download em dispositivos IOS ou Android. Esse aplicativo oferece inúmeros modelos de textos multissemióticos e diversos recursos gráficos para a criação de design autoral, além disso, permite ao autor vincular vários colaboradores ao projeto para discutir, comentar e alterar conjuntamente em tempo real, ou não, a proposta em construção. Além disso, o Canva também possibilita observar as diferentes versões do texto produzidas pelos sujeitos.


Devido às limitações deste texto, apresentaremos apenas uma fração das atividades produzidas pelos estudantes, enfocando a prática colaborativa de escrita.

 

4. A PRÁTICA COLABORATIVA DE ESCRITA

 

Nosso enfoque recai sobre uma prática colaborativa de escrita para a criação de um infográfico digital referente a um dos temas propostos em aula, cuja circulação impressa seria no mural da escola e a versão digital em mídias sociais do colégio. Os excertos da prática que foram tomados como exemplos são de um mesmo grupo de estudantes, devido à riqueza e à quantidade das interações realizadas.


As primeiras orientações aos alunos para a escrita ocorreram em sala de aula – logo após o desenvolvimento das atividades de leitura, oralidade e análises –, onde, também, eles organizaram as equipes, formaram o grupo de WhatsApp para realizarem as discussões acerca do trabalho – inclusive com a professora – e criaram o documento on-line compartilhado no Canva para a produção colaborativa. Durante todo o processo de criação, interagimos com os estudantes, fazendo alguns apontamentos e respondendo a alguma pergunta específica, quando solicitada.


Em seguida, procedemos à leitura e análise de todos os textos e realizamos uma correção dialógica, lançando mão de marcações indicativas, classificatórias e textual-interativas (RUIZ, 2010), a fim de provocar reflexões nos estudantes e mobilizá-los para a reescrita, movimento que ocorreu até que o texto fosse considerado por nós, professora e alunos, adequado para publicação. É importante considerar, entretanto, que a correção dos textos não foi levada à exaustão, já que não se trata de um contexto editorial, mas de uma experiência pedagógica que se assemelha à circulação de um infográfico integrante de uma notícia, de um livro etc.


Para o trabalho de estudo do gênero discursivo, selecionamos exemplares estáticos, animados e interativos, com finalidades jornalística, educacionais, publicitárias e divulgação de pesquisas, os quais, além dos slides em sala de aula e cópia impressa, tiveram os links disponibilizados no Classroom da turma. Em relação às estratégias, utilizamos leitura individual e leitura em grupo, prática de leitura e análise do gênero, prática de análise linguística/semiótica, atividades de retextualização (reportagem-infográfico) e prática colaborativa de escrita.


Com relação à PCE do infográfico, o tema escolhido pelo grupo aqui analisado foi “2ª guerra mundial”, dentre uma lista de possibilidades previamente apresentada aos estudantes durante as atividades de leitura e análise do gênero discursivo, como também entre os temas levantados pelos próprios estudantes. Para a preservação das identidades dos sujeitos, usamos a designação S1, S2, S3, S4 e S5. Percebemos que a conversa dos integrantes seguiu na direção de negociar os sentidos do texto e propor o conteúdo que estaria presente no infográfico, conforme verificamos no trecho abaixo:


S2: Gente, vamo começar a fazer o trabalho lá no Canva?
S3: sim
PROFA.: Lembrem-se de me add no Canvas tb
S1: vamos
S1: galera
S4: blz prof
S5: eu baixei o app já
S5: tem que criar um grupo lá?
S3: não sei, vou baixar
S1: e vai ser sobre o que?
S5: sobre hitler?
S1: ou Anne?
S2: Vamo colocar sobre o ataque de Pearl Harbor, suas consequências, Holocausto, quem era do eixo e quem era aliado
S2: E os líderes de cada também
S3: eu acho que ficaria melhor só colocar os países que faziam parte do eixo e dos aliados
[...]
S5: Ataque a Pearl Harbor 7 de dezembro de 1941 - O Ataque a Pearl Harbor foi um ataque militar surpresa do Serviço Aéreo Imperial da Marinha Japonesa contra - os Estados Unidos na base naval de Pearl Harbor, em Honolulu, no Território do Havaí, pouco antes das 08h de 7 de dezembro de 1941, um domingo. O que motivou o ataque a Pearl Harbor? Os Estados Unidos representavam um obstáculo para a expansão japonesa no Oceano Pacífico. Por isso, os militares japoneses decidiram atacar Pearl Harbour, que era a principal base naval norte-americana no Pacífico.
S2: Tenta resumir um pouco isso
S2: Tipo, Estados Unidos era um obstáculo para o avanço da marinha japonesa no pacífico, por isso, planejaram um ataque surpresa no dia 7/12/1941. Logo após isso, Estados Unidos entra na guerra apoiando os aliados
S2: Daí coloca umas curiosidades, tipo que o Brasil entrou também

Nessas conversas, vemos a dinâmica de negociação entre os sujeitos em relação ao conteúdo que estaria presente no infográfico: S1 aponta três elementos importantes referentes ao tema – quem eram os envolvidos, o holocausto e o ataque a Pearl Harbor. Na sequência, S5 propõe um texto sobre o ataque japonês à base americana e S2 sugere uma versão resumida do enunciado. Percebemos, assim, o movimento de criação textual, em que a partir da colocação de um dos sujeitos, os demais desenvolvem, ampliam e refinam a ideia. Podemos afirmar que S2 evidencia que adquiriu conhecimento do gênero durante as nossas aulas, ao ponderar que o texto deveria ser resumido. Isso evidencia a natureza dialógica da construção do sentido, ao considerar a perspectiva não somente dos produtores, mas dos interlocutores.


Além do conteúdo, os alunos tratam da questão da estrutura do infográfico e um dos alunos sugere um modelo como exemplo:


S3: vamos fazer assim ?

FIGURA 1: 1º Modelo de infográfico apresentado

























Fonte: Documento de aula


Outro aluno discorda da primeira sugestão e apresenta um modelo de infográfico do próprio aplicativo Canva:


S5: não assim

 

FIGURA 2: 2º Modelo de infográfico apresentado
































Fonte: Documento de aula.

 

E, assim, continuam as conversas a respeito da localização do conteúdo e uma nova reescrita para o trecho referente a Pearl Harbor:


S5: ‎IMG-20220622-WA0028.jpg (arquivo anexado) nessa parte da pra colocar de título "O que motivou o ataque a Pearl Harbor?" e na parte de escrever da pra colocar "Os Estados Unidos representavam um obstáculo para a expansão japonesa no Oceano Pacífico. Por isso, os militares japoneses decidiram atacar Pearl Harbour, que era a principal base naval norte-americana no Pacífico"
S1: foca mais na história do hitler e como começou o holocausto
S1: achei bom
S2: Coloca o estopim da segunda Guerra mundial
S5: vou colocar e mando pra vocês
S2: Depois tu coloca um título
S2: “Eventos é acontecimentos”
S1: tá bom

Após várias conversas, trocas e sugestões de imagens e conteúdo, a primeira versão do infográfico ficou assim:


FIGURA 3: Primeira versão do texto.











































Fonte: Registros de atividades da professora.


Da mesma maneira que havia procedido em relação à prática colaborativa do conto, foi realizada a correção dialógica, utilizando tanto o aplicativo Power Point como fazendo as observações diretamente no aplicativo Canva.


As imagens abaixo ilustram algumas das intervenções realizadas no infográfico dos alunos:   

 

FIGURA 4: Conjunto de intervenções no texto (1)
















Fonte: Registros de atividades da professora.

 

Nossas correções perpassaram tanto as questões de estrutura como de formas linguísticas, como também as questões relacionadas à própria diagramação do infográfico. Além disso, oferecemos sugestões de materiais para pesquisa e orientação técnica quanto ao uso do aplicativo Canva.

 

FIGURA 5: Conjunto de intervenções no texto (2)















Fonte: Registros de atividades da professora.


Após comentários e questionamentos acerca das formas linguísticas empregadas no texto, os alunos chegaram à versão final:

 

FIGURA 6: Versão final do infográfico.





































Fonte: Registros de atividades da professora.

 

Após essa breve demonstração dos procedimentos utilizados nas duas práticas colaborativas de escrita, seguem algumas considerações analíticas a respeito da dinâmica de negociação realizada pelos estudantes.

 

5. ALGUMAS PERCEPÇÕES

 

Ao analisar a dinâmica de negociação dos alunos via Whatsapp, foi possível realizar uma organização das conversas e agrupá-las, num primeiro momento, em função do tópico o quê, referente a conteúdo (verbal e não verbal) a ser produzido na tarefa de escrita colaborativa. Percebemos que houve um equilíbrio entre as questões textuais e as questões visuais, já que o gênero é multissemiótico. Das 447 interações, 60% delas foram dedicadas a questões relacionadas ao não verbal e 40% verbal.


Sabemos, pela perspectiva bakhtiniana, que os sujeitos constroem suas posições em função da interação com o outro, movimento “da ordem da intersubjetividade, ou seja, o que estou pensando e querendo e o que o outro está pensando e querendo” (VALENTINI; FAGUNDES, 2005, p. 40). Essa relação entre os sujeitos do discurso e a consciência da alteridade “é o princípio estruturador das relações dialógicas, compreendendo que é na alteridade – ou seja, em relações sociais que são situadas historicamente - que os indivíduos se constituem.” (COSTA-HÜBES, 2014, p. 16). Dito de outro modo, os diálogos e as suas réplicas estão interligados como uma ação recíproca em que o enunciado de cada sujeito se torna estímulo para a réplica de outro. Em termos bakhtinianos, expressam posições responsivas, ligadas umas às outras, estabelecendo “relações de pergunta-resposta, afirmação-objeção, afirmação-concordância, proposta-aceitação, ordem-execução, etc.” (BAKHTIN, 2003[1979], p. 275).


Diante dessa constatação, chegamos à compreensão de que na dinâmica de negociação há o que podemos chamar de atitudes de interação. Salotti (2015), em sua pesquisa de doutorado, cujo objetivo foi descrever e interpretar o fenômeno negociação no processo de escrita colaborativa para a produção de um blog, respaldada pela abordagem hermenêutico-fenomenológica, nomeia essas atitudes como temas, representados por um substantivo que busca capturar as unidades de significado pertinentes ao fenômeno de interação. Entretanto, pela filiação dialógica aqui adotada, o termo atitudes representa mais adequadamente o fenômeno descrito e analisado, pois há a existência de tomadas de decisão envolvidas nas interações.


Com base no trabalho de Salotti (2015), entendemos a leitura dessas atitudes em três grupos: avaliação (comemoração, expectativa e satisfação), organização (chamado, concordância, desacordo, dúvida, explicação, indiferença, justificativa e proposta) e relacionamento (crítica, decepção, elogio, ironia, irritação e provocação). O gráfico abaixo mostra a ocorrência de cada grupo de atitude.

 

GRÁFICO 1: Grupos de atitudes de interação











Fonte: Elaborado pela autora.

 

Vejamos, agora, a ocorrência das atitudes em cada grupo.


a) Atitudes de organização: as primeiras conversas demostram que as atitudes de interação recaem sobre as questões de organização, isto é, a busca de um norte para a produção e a definição do conteúdo do texto a ser produzido. É importante lembrar, contudo, que a orientação da professora sobre o objetivo da atividade de interação via WhatsApp ocorreu em sala de aula, onde os alunos puderam conversar brevemente sobre as ideias iniciais em relação ao tema do infográfico que iriam produzir. O grupo organização está demonstrado abaixo:

 

GRÁFICO 2: Atitudes do grupo organização












Fonte: Elaborado pela autora.


As primeiras conversas, como se haveria de imaginar, seriam atitudes de chamado dos integrantes do grupo para a realização da atividade e para retomar o que conversaram inicialmente sobre o conteúdo da produção que fariam. As interações que demonstram as dúvidas dos sujeitos quanto à produção do texto, buscam confirmar o entendimento sobre o que teriam de fazer. De acordo com o percentual dessa atitude em relação às demais, podemos inferir que não houve grandes dificuldades para os sujeitos se organizarem sobre o que fariam em relação à produção do infográfico.


Já atitude proposta, destacou-se, evidenciando que os sujeitos investiram maior energia para negociar os sentidos do texto, principalmente para a criação do conteúdo. Podemos, ainda, realizar uma leitura conjunta às atitudes explicação nas quais é possível perceber sua ligação às propostas de organização, na medida em que evidenciam aspectos de retomadas do dizer para que as ideias fiquem bem entendidas e fundamentadas aos demais.


Em relação à atitude justificativa, são, em sua maioria, relacionadas às posturas dos membros do grupo, à realização de tarefas futuras ou ao não cumprimento de atividades definidas pelo coletivo. Já a análise das atitudes concordância e desacordo, permite-nos afirmar que não houve disputas significativas pelo sentidos do texto, o que pode indicar uma boa relação entre os sujeitos e/ou sintonia entre suas ideias. Outra explicação possível é que os sujeitos não estavam dispostos a alongar a tarefa e desejavam concluí-la rapidamente, não oferecendo, portanto, numerosos entraves ou discordâncias.


Abaixo, alguns exemplos de interações do grupo organização:


CHAMADO - S2: Gente, vamo começar a fazer o trabalho lá no Canva?
CONCORDÂNCIA - S2: Legal essa também
DESACORDO - S2: Acho que não entra em questão
DÚVIDA - S1: o que eu pesquiso p aparecer isso de Pearl Harbor?
EXPLICAÇÃO - S5: esse ataque foi antes da guerra
JUSTIFICATIVA - S4: Desculpem a demora
PROPOSTA - S5: nessa parte da pra colocar de título "O que motivou o ataque a Pearl Harbor?"

Vejamos agora o grupo de atitudes relacionamento:


b) Atitudes de relacionamento: referem-se às habilidades interpessoais (sociais, de comunicação, de personalidade etc.) dos sujeitos. Dessa forma, estão diretamente correlacionadas ao estabelecimento de conexão entre os sujeitos diante da produção colaborativa do texto. Este grupo apresentou 6 atitudes, conforme explicitado abaixo.


GRÁFICO 3: Atitudes do grupo relacionamento















Fonte: Elaborado pela autora.

 

Podemos fazer a leitura dos dados acima a partir do entendimento de que as atitudes de elogio representam um tom positivo e, as demais, estão ligadas a um tom negativo nas relações estabelecidas entre os sujeitos, o que é natural em qualquer interação social. Dessa forma, as análises apontam que o grupo interage equilibradamente entre o polo positivo (elogio) e o polo negativo (ironia, provocação, crítica e irritação juntas). Em relação às atitudes de cunho negativo, que também podemos considerar como importantes motivadores, destacamos que a classificação em uma determinada atitude ou outra, foi analisada no contexto das interações, não podendo ser tomadas isoladamente.


Abaixo, alguns exemplos de interações do grupo relacionamento:


CRÍTICA - S1: é sempre em cima da hora 🥲
ELOGIO - S1: você é bom nisso
INDIFERENÇA - S2: Você que sabe
IRONIA - S3: bem soft🥺
IRRITAÇÃO - S1: posso desistir e fazer só a recuperação?
PROVOCAÇÃO - S4: N entendi a pergunta?!!

Na sequência, vejamos o grupo de atitudes avaliação:


c) Atitudes de avaliação: Já as atitudes do grupo avaliação, representaram um baixo percentual das conversas e apontam para o momento em que os sujeitos se atentam para as questões de julgamento do próprio desempenho, seja com atitudes de comemoração, expectativa ou satisfação. Sabemos que, na escola, não é comum a prática de autoavaliação pelos alunos e que isso é algo a ser mais explorado pelos docentes com vistas ao desenvolvimento da autonomia do estudante (CHAUÍ, 1980). Ela permite ressaltar “o olhar crítico sobre o que se faz enquanto se faz” (HADJI, 2001, 102), desde que integrada à avaliação formativa e emancipadora, numa perspectiva colaborativa. Abaixo, o percentual de cada atitude dentro deste grupo de interações:

 

GRÁFICO 4: Atitudes do grupo avaliação.

















Fonte: Elaborado pela autora.

 

Ao analisarmos as atitudes dos sujeitos a respeito do texto produzido, percebemos que sua avaliação foi positiva, pois suas interações demonstraram alto percentual de satisfação e de comemoração. Em relação às interações que revelam as expectativas, podemos entender a partir do jogo de posições ocupadas pelos sujeitos, no caso, a posição de estudante que almeja a aprovação da professora ou uma nota alta em relação à tarefa desenvolvida. Ou, ainda, em relação a si mesmos, suas capacidades diante do desafio proposto.


Se lembrarmos que o texto, entendido em suas multissemioses, é a unidade de trabalho em Língua Portuguesa (BRASIL, 2018), com o uso de diversos recursos digitais disponíveis e a exploração dos variados gêneros multissemióticos, os alunos podem refletir sobre os aspectos que envolvem tanto a sua situação de produção imediata quanto a mais ampla. O direcionamento à reflexão contribui para uma maior tomada de consciência dos sujeitos sobre a própria linguagem, sobre o processo dialógico e escrita e sobre a construção autoral.


Abaixo, alguns exemplos de interações do grupo avaliação:


COMEMORAÇÃO - S5: um trabalho em grupo bem legal
EXPECTATIVA - S1: eu esperava muito menos
SATISFAÇÃO - S1: to feliz com o resultado

Diante das análises empreendidas, outras questões se colocam para nossa reflexão, como: i) essas características da natureza das interações se repetem em práticas relacionadas a gêneros multissemióticos ou se estendem a outros gêneros discursivos da ordem do verbal? ii) A prática colaborativa de escrita favorece o desenvolvimento de habilidades relacionadas à escrita individual? iii) Qual o espaço das práticas colaborativas de escrita dentro do trabalho docente na rede pública? Essas e outras perguntas são tema de novos artigos. Para finalizar nossa discussão, apresentamos, na sequência, nossas considerações finais.

 

8. CONCLUSÃO

 

As práticas colaborativas de escrita são atividades que proporcionam a interação entre os estudantes e favorecem a dinâmica para a construção dos sentidos, característica presente desde o planejamento até a versão final do texto. A configuração de um espaço de conversação favoreceu a negociação a partir de interesses compartilhados, permitindo que em todo esse processo de interação, pudéssemos observar a constituição da coautoria como fruto das interações dialógicas estabelecidas entre os estudantes, cujas marcas são identificáveis nas negociações que ocorrem no processo de textualização, por meio da alteridade e do dialogismo constituintes das relações sociais.


Pudemos perceber, até o momento, alguns fatores que se correlacionam e moldam o processo de interação entre os sujeitos: o perfil de trabalho da professora, as condições de produção dos textos, as características da escrita colaborativa em si mesma como tal e o perfil do grupo investigado. A constituição da coautoria na escola requer do professor uma postura pedagógica crítica, voltada às práticas sociais em contextos reais de uso da linguagem. A participação dos estudantes nas tomadas de decisão a respeito da temática, além do entrosamento entre os sujeitos, é fundamental para que se envolvam na tarefa e se organizem, adotem estratégias de escrita e negociação, bem como definam papéis de acordo com as necessidades e características do grupo.


Analisar o processo de criação de um texto é olhar para o cronotopo, nos termos bakhtinianos, isto é, a relação tempo-espaço que determina profundamente não só as relações intersubjetivas, mas também orienta a noção de homem em determinado recorte da história, as formas diferentes de compreensão do mundo, a partir das condições em que as coisas ocorrem, a temporalidade social, em função das relações políticas, culturais, econômica, sociais, históricas que lhes são características.


9. REFERÊNCIAS

 

BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. Trad. de Paulo Bezerra. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003[1979].

 

BAKHTIN, M. M./VOLOCHÍNOV, V. N. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico da linguagem. 12. ed. São Paulo: Hucitec, 2006 [1929].

 

BESSA, J. C. R. Dialogismo interlocutivo e construção da autoria em artigos científicos. Linha D'Água (Online), São Paulo, v. 31, n. 1, p. 171-191, jan.-abril 2018.

 

BOFF, Leonardo. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 40 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

 

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[1] Projeto TDIC-ENALP – Tecnologias Digitais no Ensino-Aprendizagem de Língua Portuguesa, sob a coordenação da profa. Dra. Eliana Ruiz (aprovação CEP-UEL nº 3.453.420). Projeto integrante do Grupo de pesquisa FELIP – Formação e Ensino em Língua Portuguesa – cadastrado e certificado no Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil (DGP – CNPq).

 

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Como citar esse artigo:


CAMARGO, Érica Neri. Constituição da coautoria: Prática colaborativa de escrita de um infográfico. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 128-148. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.009 


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