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Maycon Morais do Nascimento

OS CONCEITOS BÁSICOS E O CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL ANTES E DURANTE O PROCESSO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO MUNDO E NO BRASIL

THE BASIC CONCEPTS AND THE HISTORICAL-SOCIAL CONTEXT BEFORE AND DURING THE INCLUSIVE EDUCATION PROCESS IN THE WORLD AND IN BRAZIL





Informações Básicas

  • Revista Qualyacademics v.2, n.5

  • ISSN: 2965-9760

  • Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).

  • Estudo realizado em 2023

  • Categoria: Estudo de Revisão



Como citar esse material:


NASCIMENTO, Maycon Morais do. Os conceitos básicos e o contexto histórico-social antes e durante o processo da educação inclusiva no mundo e no Brasil. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.2, n.5, 2024; p. 205-221. ISSN 2965-9760 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v2n5.014



Autor:



Maycon Morais do Nascimento

Especialista em Psicomotricidade pela UNINTER Contato: mike44883060@gmail.com





RESUMO


O artigo examina a educação inclusiva e especial, explorando conceitos fundamentais e o contexto histórico-social da inclusão no mundo e no Brasil. O objetivo principal é oferecer um entendimento completo da evolução histórica da educação inclusiva e como ela pode ser implementada nas escolas regulares. Utilizando uma pesquisa bibliográfica com fontes de autores e documentos essenciais, o estudo justifica-se pela necessidade de formar docentes capazes de atender a diversidade na sala de aula, combatendo preconceitos e promovendo a equidade. Os resultados destacam a importância das políticas públicas e documentos internacionais, como a Declaração de Salamanca e o Plano Nacional de Educação, que incentivam adaptações no espaço escolar para assegurar um ensino de qualidade e acessível a todos. A análise conclui que a educação inclusiva é um componente fundamental para a formação cidadã e enfatiza a necessidade de práticas pedagógicas que integrem e acolham alunos com necessidades especiais, superando as barreiras históricas de segregação e exclusão.

 

Palavras-chave: Educação inclusiva; Políticas públicas; acessibilidade; desenvolvimento social; igualdade; diversidade.


 

ABSTRACT

 

The article examines inclusive and special education, exploring fundamental concepts and the historical-social context of inclusion worldwide and in Brazil. The primary objective is to provide a comprehensive understanding of the historical evolution of inclusive education and how it can be implemented in regular schools. Using bibliographic research from key authors and essential documents, the study is justified by the need to prepare teachers to address diversity in the classroom, combating prejudice and promoting equity. The results highlight the importance of public policies and international documents, such as the Salamanca Statement and the National Education Plan, which encourage school adaptations to ensure accessible and quality education for all. The analysis concludes that inclusive education is essential for citizenship formation and emphasizes the need for pedagogical practices that integrate and welcome students with special needs, overcoming the historical barriers of segregation and exclusion.

 

Keywords: Inclusive education; public policies; accessibility; social development; equality; diversity.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

A educação inclusiva é um tema central na formação inicial e continuada dos profissionais da educação, especialmente para aqueles comprometidos com uma prática pedagógica que respeite e aceite as diferenças, promovendo igualdade de oportunidades e superando preconceitos e discriminações (SASSAKI, 1997). No contexto atual, a inclusão exige um olhar atento e ações concretas para garantir que todos os alunos, independentemente de suas especificidades, tenham acesso a um ambiente educacional acolhedor, onde possam desenvolver-se plenamente como cidadãos. Esse movimento em direção a uma educação mais inclusiva exige não apenas mudanças estruturais nas escolas, mas também uma transformação profunda nas práticas pedagógicas e nas mentalidades dos profissionais envolvidos (MANTOAN, 2003).


Para investigar e aprofundar esses aspectos, é essencial examinar os conceitos fundamentais da educação inclusiva e entender o contexto histórico-social que moldou a inclusão escolar e social. Segundo Jannuzzi (2004), a história das pessoas com deficiência é marcada por um longo período de exclusão e segregação, com poucos avanços significativos até o século XX. Esse cenário começou a mudar com a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, que estabeleceu bases para uma sociedade mais inclusiva. No entanto, foi somente nas últimas décadas que a educação inclusiva ganhou relevância nas discussões sobre igualdade e direitos, impulsionada por documentos internacionais como a Declaração de Salamanca (1994), que reconhece o direito das crianças com necessidades educacionais especiais de frequentarem escolas regulares (UNESCO, 1994).


Compreender a educação inclusiva demanda, portanto, uma análise dos diversos conceitos que a envolvem, como educação especial, integração e inclusão. Para Mantoan (2005), inclusão refere-se a um processo de mudança e aceitação, onde as escolas adaptam-se para acolher todos os alunos, proporcionando um ambiente de aprendizagem que respeite e valorize a diversidade. Já Sassaki (1997) destaca que a inclusão vai além da presença física dos alunos com deficiência nas escolas; ela requer uma adaptação curricular, metodológica e de atitudes para garantir uma participação efetiva desses alunos. A distinção entre esses conceitos é crucial para a formação de professores, pois promove um entendimento mais profundo dos desafios e das práticas necessárias para transformar as escolas em espaços inclusivos.


Além disso, a análise do contexto histórico-social é fundamental para entender como as percepções sobre as pessoas com necessidades específicas evoluíram. Historicamente, essas pessoas foram marginalizadas e, em muitos casos, vistas como objetos de caridade ou até mesmo exclusão. Fernandes (2011) aponta que, na Idade Média, a deficiência era associada a punições divinas, enquanto na Idade Moderna, com o surgimento das instituições de caridade e filantropia, passou-se a considerar as pessoas com deficiência como merecedoras de assistência, mas ainda sem direitos reconhecidos. Esses valores persistiram até o século XX, quando começaram a surgir as primeiras políticas públicas voltadas para a inclusão e a cidadania (SASSAKI, 1997).


A evolução histórica da inclusão educativa foi também impulsionada por conferências e documentos internacionais que formalizaram a necessidade de uma educação inclusiva. A Declaração de Salamanca (1994), por exemplo, foi um marco fundamental ao propor que todos os alunos, com ou sem deficiência, deveriam aprender juntos nas escolas regulares. Esse documento incentivou os países a adotarem políticas e práticas que favorecessem a inclusão, destacando a necessidade de adaptação dos sistemas educacionais para garantir uma educação de qualidade para todos. Para Blanco (2003), a Declaração de Salamanca representou um avanço significativo, ao consolidar uma visão de escola inclusiva como um direito humano.


No Brasil, o contexto de implementação da educação inclusiva passou por transformações significativas a partir da Constituição de 1988, que reconheceu o direito à educação para todos os cidadãos, incluindo pessoas com deficiência. Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996 consolidou o compromisso com uma educação inclusiva, estabelecendo que todos os alunos deveriam ter acesso à educação regular com o devido suporte e adaptações (BRASIL, 1996). A implementação dessas políticas, entretanto, enfrenta desafios, especialmente em relação à formação de professores e à adaptação das escolas para receber alunos com diferentes necessidades (GUGEL, 2006).


Um dos principais objetivos da educação inclusiva é, portanto, transformar a escola em um espaço onde todos os alunos possam desenvolver-se como sujeitos ativos e autônomos. Para Mantoan (2003), a inclusão só será efetiva quando as escolas deixarem de focar apenas nas limitações dos alunos e passarem a valorizar suas potencialidades. Nesse sentido, a formação dos professores é essencial, pois são eles que devem criar práticas pedagógicas adaptadas e acolhedoras, capazes de atender às necessidades específicas de cada aluno. Isso inclui o uso de metodologias ativas que incentivem a participação e o protagonismo dos estudantes (STAINBACK & STAINBACK, 1999).


Para alcançar esses objetivos, é fundamental que os educadores estejam preparados para lidar com a diversidade em sala de aula. A formação continuada e o apoio institucional são aspectos críticos para garantir que os professores se sintam capacitados e motivados a implementar práticas inclusivas. Além disso, é necessário um compromisso coletivo, envolvendo famílias, gestores escolares e a sociedade como um todo, para que a inclusão deixe de ser apenas uma diretriz teórica e se torne uma realidade prática (SASSAKI, 2005).


Portanto, este artigo busca responder questões cruciais para a implementação da educação inclusiva, como a definição dos termos essenciais, a análise do contexto histórico da inclusão e as políticas públicas que a sustentam. A proposta é oferecer uma visão abrangente e sistemática que auxilie os profissionais da educação a compreender e aplicar esses conceitos no ambiente escolar.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA


2.1. CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DOS DEFICIENTES E DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO MUNDO


A princípio, antes de contemplar os estudos sobre o contexto histórico-social da inclusão, é preciso que o futuro docente compreenda a definição e distinção de alguns conceitos que envolvem a inclusão escolar e social, entre eles, está a educação inclusiva e a educação especial, que são terminologias distintas, mas que, apesar disso, se relacionam. Segundo os estudos teóricos de Mantoan (2003), a inclusão é a prática de acolher e ensinar a todos, sem deixar nenhuma criança fora do ensino comum. De acordo com Romeu Kazumi Sassaki, a educação inclusiva:


É o processo que ocorre em escolas de qualquer nível preparadas para propiciar um ensino de qualidade a todos os alunos, independentemente de seus atributos pessoais, inteligências, estilos de aprendizagem e necessidades comuns ou especiais. A inclusão escolar é uma forma de inserção em que a escola comum tradicional é modificada para ser capaz de acolher qualquer aluno incondicionalmente e de propiciar-lhe uma educação de qualidade. Na inclusão, as pessoas com deficiência estudam na escola que frequentariam se não fossem deficientes (SASSAKI, 1998, p. 8).

 

Ainda de acordo com Stainback (1999), a educação inclusiva envolve o esforço sistemático para integrar todos os alunos em escolas e salas de aula que estejam preparadas para atender às necessidades de cada um, sem discriminação em relação a talentos, deficiências, origem socioeconômica ou cultural. Essa abordagem visa garantir que o ambiente educacional seja acolhedor e efetivo, proporcionando oportunidades de aprendizado que respeitem as individualidades dos alunos. Assim, a inclusão não se limita apenas à presença física dos estudantes no mesmo espaço, mas se expande para englobar uma participação significativa, onde cada aluno encontra as condições necessárias para seu desenvolvimento integral e para a convivência em um ambiente diversificado, promovendo a formação de uma sociedade mais justa e igualitária.

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Especial orientam que, ao se tratar de construir uma escola inclusiva, a instituição deve:


implicar uma nova postura da escola comum, que propõe no projeto político-pedagógico, no currículo, na metodologia de ensino, na avaliação e na atitude dos educandos, ações que favoreçam a integração social e a opção por práticas heterogêneas. A escola capacita seus professores, prepara-se, organiza-se e adapta-se para oferecer educação de qualidade para todos, inclusive para os educandos com necessidades especiais (MEC/SEESP, 1998).

 

Conforme o Ministério da Educação (MEC, 2004), a inclusão escolar implica acolher a todos, sem exceção, dentro do sistema de ensino, garantindo acesso independente de cor, classe social, condições físicas ou psicológicas. Para que essa inclusão seja efetiva, não basta a aplicação de recomendações técnicas ou soluções padronizadas; ela exige uma mudança significativa nos valores e no paradigma da sociedade, o que envolve uma reflexão e transformação profunda de todos os atores da comunidade escolar, incluindo professores, direções, pais, alunos e comunidade. Esse compromisso coletivo torna-se essencial para promover uma educação verdadeiramente inclusiva, onde cada indivíduo é reconhecido e valorizado em suas particularidades.


A Declaração de Salamanca (1994) afirma que


o princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças deveriam aprender juntas, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que possam ter. As escolas inclusivas devem reconhecer e responder às diversas necessidades de seus alunos, acomodando tanto estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e assegurando uma educação de qualidade a todos através de currículo apropriado, modificações organizacionais, estratégias de ensino, uso de recursos e parcerias com a comunidade. (…) Dentro das escolas inclusivas, as crianças com necessidades educacionais especiais deveriam receber qualquer apoio extra que possam precisar, para que se lhes assegure uma educação efetiva (SALAMANCA, 1994).

 

Já o termo "educação especial", segundo o Ministério da Educação e Cultura (MEC, 1990),


é uma modalidade transversal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, sendo parte integrante da educação regular, devendo ser prevista no projeto político-pedagógico da unidade escolar, e tendo como público-alvo aqueles que possuem deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (MEC, 1990).

 

As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Especial (MEC/SEESP, 2001) indicam que, para efetivar a inclusão, a instituição de ensino regular deve proporcionar a modificação e adaptação do PPP, do currículo, da metodologia, da avaliação, da estrutura e das estratégias de ensino, de forma a efetivar a construção de uma escola inclusiva que respeite e aceite as diferenças e promova igualdade de oportunidades.


Conforme Mantoan (2005), a inclusão refere-se ao processo de reconhecer, respeitar e aceitar as diferenças, acolhendo a todos sem exceção. Já a educação especial, conforme a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNE, 2008), é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, desde a educação infantil até o ensino superior, e que conta com um conjunto de recursos, serviços e equipamentos específicos para atender às necessidades específicas de sujeitos com deficiência, altas habilidades e transtornos globais de desenvolvimento. As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Especial (MEC/SEESP, 2001), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, 1996) e a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNE, 1994) revelam que a educação especial é uma modalidade de educação escolar que abrange todos os níveis, etapas e modalidades de ensino.


Essa modalidade, atualmente, se articula com as propostas de educação inclusiva, realizada no contraturno do ensino regular, de forma transversal, integrada ao PPP da escola regular e com a participação efetiva da família.

 

2.2. CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL DOS DEFICIENTES E DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO BRASIL

 

Sueli Fernandez (2011) aponta que, do período pré-colonial até a metade do século XX, as pessoas com necessidades especiais enfrentaram uma história de constante exclusão e opressão. O abandono, a segregação e os estigmas eram predominantes, e práticas discriminatórias eram comuns em todas as esferas sociais. A sociedade da época via essas pessoas como diferentes, tratadas com pouca empatia, sendo muitas vezes abandonadas ou marginalizadas. Esse quadro de rejeição, segundo Fernandez (2011) e Gugel (2016), resultava em uma segregação brutal, onde os mais vulneráveis eram deixados à margem, sem acesso a cuidados adequados ou oportunidades de inclusão. Esses relatos são reforçados por exemplos específicos da época, como a famosa "roda dos expostos". Otto Marques (1987) descreve que essa prática consistia em deixar crianças rejeitadas, especialmente as que tinham algum tipo de anomalia, em uma caixa dupla de formato cilíndrico localizada no muro de instituições religiosas, onde eram abandonadas e entregues aos cuidados dessas entidades. Embora essas instituições oferecessem assistência básica, a inclusão propriamente dita não existia; as crianças eram isoladas em locais onde o tratamento se limitava a caridade, e o conceito de convivência e igualdade de oportunidades ainda era inexistente.


A "roda dos expostos" era um reflexo das concepções da época, em que o acesso ao convívio social era limitado por barreiras culturais e preconceitos profundos. Segundo Fernandez (2011), entre os séculos XVI e XVIII, no Brasil, surgiram os primeiros abrigos, asilos e instituições religiosas que se ocupavam do cuidado de pessoas com deficiência, fornecendo abrigo, mas sem qualquer tipo de integração social. Essas práticas se perpetuaram no século XIX, com o surgimento das primeiras instituições especializadas, fundadas pelo Estado e apoiadas por profissionais que, na época, eram considerados capacitados para lidar com questões de deficiência. Esse atendimento, no entanto, mantinha as mesmas bases segregacionistas, promovendo a assistência de forma isolada, em locais onde as pessoas com deficiência permaneciam à margem da vida em sociedade. Tais espaços, como o Instituto Benjamim Constant, fundado em 1854, e o Instituto Nacional de Educação de Surdos, em 1857, visavam atender a esses indivíduos, mas o conceito de inclusão ainda era distante, e o objetivo principal era mantê-los afastados dos ambientes regulares, sem integrá-los na vida comum.


Foi apenas com o avanço das discussões sobre direitos humanos que se iniciaram mudanças significativas no entendimento sobre a educação e o atendimento de pessoas com deficiência. Somente na metade do século XX é que houve a criação do primeiro documento internacional que consolidava políticas públicas para incluir esses indivíduos no conceito de cidadania. Esse marco foi estabelecido com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela ONU em 1948, que trazia, entre outros pontos, o reconhecimento da dignidade e do direito à igualdade para todos os seres humanos. Com essa nova orientação, o olhar sobre a deficiência começou a mudar gradualmente, promovendo uma visão mais inclusiva e de respeito aos direitos fundamentais. No Brasil, o impacto da Declaração de 1948 também provocou reflexões que motivaram a criação de políticas públicas destinadas à inclusão das pessoas com deficiência, ainda que de forma lenta e gradual.


No contexto educacional brasileiro, a década de 1970 trouxe mudanças importantes para o ensino das pessoas com deficiência. Segundo Fernandez (2011), foi durante esse período que as primeiras ações voltadas à educação especial começaram a se consolidar, com a criação de classes especiais dentro das escolas. Essas classes buscavam, de certa forma, proteger e ensinar as crianças com deficiência, mas a integração com os demais alunos era mínima. As atividades voltadas a esses estudantes se limitavam a aulas específicas, fora do ambiente escolar regular. As políticas educacionais da época ainda viam a deficiência sob um viés segregacionista, tratando os alunos com deficiência como indivíduos à parte, sem a preocupação de inseri-los na mesma rotina dos demais estudantes. Essa abordagem protecionista perdurou por anos, mantendo os alunos com deficiência em espaços separados, sem estímulo para a convivência e a interação com os colegas que não apresentavam limitações.


Somente nas décadas seguintes, principalmente a partir dos anos 1980, o conceito de integração começou a ganhar força nas políticas educacionais brasileiras. Esse movimento teve como marco a criação de classes de integração, que permitiam a presença de alunos com deficiência em turmas regulares, desde que esses alunos não trouxessem dificuldades adicionais ao ambiente escolar. Blanco (2003) explica que essa terceira fase do processo de inclusão é chamada de fase de integração, em que pessoas com deficiência passaram a ter acesso ao ensino comum, mas sem que as escolas fizessem adaptações para acomodar as necessidades desses alunos. A ideia de adaptação era limitada, e o aluno era quem deveria se ajustar ao ambiente, sem que o sistema escolar passasse por modificações estruturais significativas. Essa mudança filosófica abria um pequeno espaço para a inclusão, mas ainda distava de um processo realmente transformador, pois mantinha os alunos com deficiência em uma posição secundária, onde a convivência era restrita e o conceito de igualdade não era plenamente respeitado.


A partir dos anos 1990, com a ampliação dos debates sobre os direitos das pessoas com deficiência, o Brasil começou a adotar um enfoque mais inclusivo nas políticas educacionais. A educação especial passou a ser vista como uma modalidade de ensino que deveria perpassar todos os níveis e etapas, promovendo a inclusão dos alunos com deficiência no ensino regular, com o suporte necessário para que eles pudessem participar de forma ativa e efetiva. A partir desse período, surgiram legislações e orientações específicas, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que previam a inclusão como um direito inalienável, promovendo ações que possibilitassem a construção de um sistema educacional acessível e inclusivo. Essas políticas buscavam superar o modelo de integração e avançar para um modelo inclusivo, onde a escola seria adaptada para receber todos os alunos, independentemente de suas especificidades, assegurando-lhes uma educação de qualidade e respeito às suas individualidades.


Como mencionado anteriormente, Lima (2006) destaca que foi apenas no final do século XX que a sociedade começou a discutir a inclusão, impulsionada por inúmeros debates e movimentos sociais realizados por diversos segmentos e grupos heterogêneos, como pessoas com necessidades específicas, que lutavam por seus direitos, especialmente o direito à convivência social e ao acesso a diferentes espaços. Fernandez (2011) revela que, após muitos debates e movimentos sociais organizados por minorias, surgiram importantes conferências internacionais, como a Conferência de Salamanca em 1994, promovida pela UNESCO, que resultou na Carta de Salamanca. Este documento formalizou o compromisso entre os países signatários para a criação de políticas que construíssem uma educação inclusiva e atendessem às necessidades das pessoas com necessidades educacionais especiais (NEE). A Carta de Salamanca (1994) afirma que: "O princípio fundamental da escola inclusiva é o de que todas as crianças devem aprender juntas, sempre que possível, independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças que elas possam ter" (SALAMANCA, 1994).


Conforme Guerra (2016), entre as políticas públicas regulatórias que surgiram para assegurar os direitos das pessoas com necessidades educacionais especiais e promover a inclusão e o atendimento específico a essas pessoas, destacam-se o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8069/90) e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei 9394/96). Ambos os documentos valorizam a inclusão e propõem um atendimento especializado para pessoas com deficiência. Guerra (2016) menciona que, em 1999, foi publicado o Decreto 3298/96, que define e redefine a educação especial sob uma perspectiva inclusiva. De acordo com esse decreto, a educação especial passa a ser uma modalidade transversal, presente em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, oferecendo serviços e recursos pedagógicos no contraturno do ensino regular para atender as necessidades específicas de seu público-alvo de forma suplementar e complementar.


Em 2001, surge o Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelece metas para melhorar a qualidade do ensino regular e promover uma escola inclusiva, conforme expresso nas diretrizes do PNE:


Art. 2º São diretrizes do PNE: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação; IV - melhoria da qualidade da educação; V - formação para o trabalho e para a cidadania, com ênfase nos valores morais e éticos em que se fundamenta a sociedade [...] (PNE, 2001).

 

Em 2002, a Lei 10436 reconheceu a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como meio legal de comunicação das pessoas surdas e estabeleceu a obrigatoriedade do ensino de LIBRAS nos cursos de licenciatura e de fonoaudiologia. Segundo essa lei:

Art. 10. É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS e outros recursos de expressão a ela associados. Art. 40. O sistema educacional federal e os sistemas educacionais estaduais, municipais e do Distrito Federal devem garantir a inclusão nos cursos de formação de Educação Especial, de Fonoaudiologia e de Magistério, em seus níveis médio e superior, do ensino da Língua Brasileira de Sinais - LIBRAS, como parte integrante dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, conforme legislação vigente" (BRASIL, 2002).

 

Em 2003, o Ministério da Educação implementou o Programa Educação Inclusiva, que promove o direito à diversidade e busca transformar os sistemas de ensino em sistemas educacionais inclusivos, apoiando a formação de gestores e educadores em municípios brasileiros para garantir o direito de acesso à escolarização, ao Atendimento Educacional Especializado (AEE) e à acessibilidade (BRASIL, 2003).


Guerra (2016) também menciona que, em 2006, após a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, foi instituído o Estatuto das Pessoas com Deficiência no Brasil. Esse estatuto visa assegurar os direitos, o atendimento especializado e a inclusão das pessoas com deficiência, conforme destacado:

Art. 1º. Fica instituído o Estatuto da Pessoa com Deficiência, com base na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU e seu Protocolo Facultativo, ratificados na forma do § 3º, artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, destinado a estabelecer as diretrizes e normas gerais, bem como os critérios básicos para assegurar, promover e proteger o exercício pleno e em condições de igualdade de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais pelas pessoas com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania plena e efetiva (ESTATUTO DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA, 2006).

 

Outra importante política nacional, mencionada por Guerra (2016), é o Plano Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva (PNEE, 2008). Esse documento consolidou o compromisso do Brasil com a educação inclusiva, orientando a educação especial em uma visão inclusiva. O PNEE estabelece metas específicas, incluindo a universalização da educação básica para crianças e jovens com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, priorizando seu atendimento na rede regular de ensino. Segundo o PNEE:


Universalizar, para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA INCLUSIVA, 2008).

 

O Ministério da Educação e Cultura (1990) especifica que o objetivo da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva é garantir o "acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares", além de orientar os sistemas de ensino para responder às necessidades educacionais especiais. A política prevê


a transversalidade da educação especial em todos os níveis, o atendimento educacional especializado, a formação de professores e profissionais da área para o atendimento educacional especializado, a participação da família e da comunidade, e a acessibilidade em transporte, comunicação e informação (MEC, 1990).

 

Apesar dos avanços promovidos por essas políticas, os referenciais apontam que ainda há muitos desafios e barreiras para a efetivação da inclusão escolar e social, exigindo ações contínuas e esforços de todos os envolvidos na educação inclusiva.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A inclusão educacional, ao longo dos últimos séculos, transformou-se de um modelo segregacionista e excludente para uma abordagem que busca acolher e respeitar as particularidades de cada indivíduo. Este trabalho evidenciou que a construção de uma educação inclusiva é um processo desafiador e contínuo, que exige mais do que legislações e normativas; requer uma mudança cultural, tanto nas instituições quanto na sociedade como um todo. A compreensão do contexto histórico-social da educação especial e inclusiva revela o quanto as práticas pedagógicas e as políticas públicas têm evoluído, ainda que permaneçam desafios significativos no que tange à efetiva implementação e aceitação dessas práticas no dia a dia escolar.


Ao analisarmos documentos fundamentais, como a Declaração de Salamanca, a Constituição Brasileira, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e o Plano Nacional de Educação (PNE), percebemos que o Brasil avançou em direção a uma educação inclusiva, principalmente a partir das últimas décadas do século XX. No entanto, a prática inclusiva em sala de aula ainda enfrenta dificuldades, especialmente em áreas como a adaptação de currículos, a capacitação de professores, o suporte institucional e o envolvimento das famílias e comunidades. Esses fatores demonstram que, embora os alicerces legais e filosóficos estejam estabelecidos, há uma lacuna entre a teoria e a prática que precisa ser preenchida para garantir uma verdadeira inclusão educacional.


A implementação de uma educação inclusiva e de qualidade passa, necessariamente, pela valorização e preparação dos profissionais da educação. Professores, gestores e demais colaboradores precisam ser continuamente capacitados para lidar com a diversidade e os desafios específicos de cada aluno. A formação de uma mentalidade inclusiva requer que esses profissionais compreendam a importância de promover um ambiente acolhedor e adaptável às necessidades dos alunos com deficiência ou outras particularidades, reconhecendo que cada aluno é único e merece um espaço onde possa desenvolver seu potencial de maneira plena e digna.


Além disso, a inclusão demanda recursos materiais, tecnológicos e estruturais que favoreçam o acesso e a participação ativa de todos os alunos. Investimentos em materiais didáticos adaptados, tecnologias assistivas, ambientes acessíveis e profissionais especializados são essenciais para que a escola cumpra seu papel de promotora de equidade. Contudo, a inclusão vai além das adaptações físicas e materiais: ela se concretiza na maneira como cada indivíduo é tratado, respeitado e incentivado a contribuir com o grupo, desenvolvendo assim seu senso de pertencimento e cidadania.


Embora o Brasil tenha conquistado avanços significativos, como a ampliação do acesso à educação e a presença de políticas voltadas à inclusão, há ainda um longo caminho a ser percorrido. As barreiras culturais, os preconceitos e a falta de conscientização são obstáculos que precisam ser superados. É necessário fomentar uma cultura de respeito e valorização da diversidade, onde a sociedade compreenda que a inclusão não é um favor ou uma concessão, mas um direito fundamental de cada cidadão.


Por fim, a educação inclusiva é um projeto que se desenvolve coletivamente, com a participação ativa de todos os envolvidos: profissionais da educação, famílias, comunidades e poder público. É imprescindível que haja um compromisso conjunto para superar os desafios e alcançar uma inclusão verdadeira e significativa. A partir do reconhecimento dos direitos das pessoas com deficiência e do entendimento de que a diversidade enriquece o ambiente escolar, podemos vislumbrar uma educação que promova a igualdade, o respeito e a construção de uma sociedade mais justa e solidária.

 

3.1. SUGESTÕES PARA FUTURAS PESQUISAS

 

Para expandir o conhecimento e a prática da educação inclusiva, sugere-se a realização de pesquisas voltadas à análise das barreiras culturais e sociais que ainda impedem a inclusão efetiva nas escolas. Estudos aprofundados sobre a percepção de docentes, gestores, alunos e familiares em relação à inclusão podem revelar aspectos pouco explorados e fornecer insights valiosos para a formulação de estratégias mais eficazes.


Outro ponto relevante para futuras investigações é o impacto de diferentes tipos de tecnologia assistiva na aprendizagem e na inclusão de alunos com deficiência. Com o avanço tecnológico, surgem inúmeras ferramentas que podem facilitar o processo educativo, mas há uma lacuna sobre a eficácia dessas tecnologias em contextos escolares variados, especialmente em regiões de menor acesso a esses recursos.


A formação de professores para a educação inclusiva também é um tema que merece atenção em pesquisas futuras. Estudar como as instituições de ensino superior e os programas de formação continuada preparam os professores para lidar com a diversidade nas salas de aula pode contribuir para a criação de currículos e metodologias de capacitação mais adequados e efetivos.

Finalmente, recomenda-se que futuras pesquisas explorem os modelos de políticas públicas inclusivas em diferentes países, comparando-os ao contexto brasileiro. Essas comparações podem evidenciar boas práticas e propor adaptações que atendam à realidade local, ajudando o Brasil a avançar em direção a um sistema educacional mais inclusivo e equitativo.

 

4. REFERÊNCIAS

 

AMARAL, L. A. Pensar a Diferença/Deficiência. Brasília: Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2001.

 

AURÉLIO, B. H. Dicionário da língua portuguesa. Brasil, 2010.

 

BLANCO, R. Aprendendo na diversidade: Implicações educativas. Foz do Iguaçu, 2003. Disponível em: http://entreamigos.org.br/sites/defaut/files/textos/Aprendendo%20na%20Diversidade%20Implicações%20Educativas.pdf. Acesso em: 2023.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

 

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasília: Diário Oficial da União, 1996.

 

CORREIA, L. de M. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Porto, Portugal: Porto, 1999.

 

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 2018.

 

 

FERNANDES, S. Fundamentos para a educação especial. Curitiba: Ibpex, 2011.

 

FERNANDEZ, S. Fundamentos para educação especial. Curitiba: Ibpex, 2011.

 

GUERRA, G. R. Legislação e políticas públicas de inclusão e multiculturalidade. Valinhos, 2016.

 

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Esse artigo pode ser utilizado parcialmente em livros ou trabalhos acadêmicos, desde que citado a fonte e autor(es).



Como citar esse artigo:


NASCIMENTO, Maycon Morais do. Os conceitos básicos e o contexto histórico-social antes e durante o processo da educação inclusiva no mundo e no Brasil. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.2, n.5, 2024; p. 205-221. ISSN 2965-9760 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v2n5.014



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