THE TOPIC: FROM ORALITY TO WRITING IN BRAZILIAN PORTUGUESE
Informações Básicas
Revista Qualyacademics v.2, n.6
ISSN: 2965976-0
Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).
Recebido em: 03/12/2024
Aceito em: 03/12/2024
Revisado em: 04/12/2024
Processado em: 06/12/2024
Publicado em: 09/12/2024
Categoria: Estudo de Revisão
Como citar esse material:
ARAÚJO, Edivalda. O tópico: da oralidade para a escrita no português brasileiro. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.2, n.6, 2024; p. 206-231. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v2n6.016
Autora:
Edivalda Araújo
Professora Associada de Língua Portuguesa da Universidade Federal da Bahia, na área de sintaxe e história da língua.
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RESUMO
O objetivo deste trabalho é analisar construções de tópico típicas do português brasileiro, mostrando: a) a mudança dos parâmetros sintáticos dessa vertente do português, envolvendo as construções de tópico e a realização do sujeito; e b) como essa mudança tem atingido a escrita formal. As construções de tópico tornaram-se objeto de atenção de Eunice Pontes na década de 80 e suas observações ganharam repercussão dentro dos estudos linguísticos em função de a referida autora classificar o português brasileiro como uma língua direcionada tanto para o sujeito quanto para o tópico. Outros trabalhos confirmam essa tendência do português brasileiro, como o de Kato (1989), o de Galves (1998, 2001) e o de Araujo (2009). O trabalho de Araujo (2006, 2009) tem enfatizado que a análise de construções de tópico deve passar por dois níveis: o da sintaxe e o da informação. No primeiro nível, enfoca-se a posição sintática do tópico; no segundo, o seu status pressuposicional. Em ambos, trabalha-se com a interface: sintaxe, informação e discurso, no sentido de que toda produção linguística é subordinada a um contexto, e a ocorrência de um tópico dá indícios de que falante/escritor pressupõe que ouvinte/leitor detém o mesmo conhecimento do assunto. O que é interessante em algumas construções do português brasileiro é que o tópico, além de indicar o direcionamento discursivo, está assumindo a posição de sujeito dentro da oração, como mostram os estudos de Pontes (1986, 1987), Kato (1989) e Galves (1998, 2001), inclusive na produção escrita formal.
Palavras-chave: Português brasileiro; Sintaxe; Tópico; Oralidade; Escrita.
ABSTRACT
The aim of this work is to analyze typical Brazilian Portuguese topic constructions, showing: a) the change of syntactic parameters from this Portuguese variety involving the topic constructions and the realization of the subject; and b) how this change has been reaching the formal writing. The topic constructions became Eunice Pontes’ object of attention in the 80s of the 20th century and the author’s research gained repercussion in linguistic studies due to her classification of the Brazilian Portuguese as a language oriented by topic and by subject. Other studies confirm this tendency, as Kato (1989), Galves (1998, 2001) and Araujo (2009). Araujo (2006, 2009) has emphasized that the topic constructions should be analyzed through two levels: the syntax and the information structure. On the first level, it should be focused the topic syntactic position; on the second, its pressupusitional status. In both, it’s necessary to work with the interface: syntax, information and discourse, as linguistic production happens under a context, so the occurrence of a topic indicates the speaker/writer presupposes that the hearer/reader shares the content knowledge. There is, however, an interesting point related to the Brazilian Portuguese: the topic, besides indicating the discursive orientation, is functioning as the subject in the sentence, as Pontes (1986, 1987), Kato (1989) and Galves (1998, 2001) points out, including in formal writing production.
Keywords: Brazilian Portuguese; Syntax; Topic; Orality; Writing.
1. INTRODUÇÃO
Constituem-se como objeto de estudo deste trabalho as construções com tópico deslocado à esquerda, principalmente em suas ocorrências no português brasileiro, envolvendo duas perspectivas: a da estrutura da informação, no plano discursivo[1], e da sintaxe, no plano gramatical. Tal junção provém do fato de que a primeira dá suporte para se identificar a contribuição dos elementos linguísticos para a construção da informação e o que deve ser considerado como dado ou novo, ou como tópico ou foco; enquanto a estrutura da sintaxe fornece instruções sobre a função sintática dos constituintes na oração e as suas possibilidades de ocorrência em uma frase. A partir dessa junção, tem-se que a posição que um elemento ocupa na sentença está relacionada não só à sua função gramatical, mas também ao seu status informacional.
Tentar correlacionar essas duas perspectivas significa entrar numa discussão que tem percorrido os estudos linguísticos: o de se a forma (sintaxe) prevalece sobre a função (discurso) ou se a função prevalece sobre a forma. Se, de um lado, se reconhece que não existe forma que não esteja vinculada a um contexto, a um discurso (cf. LYONS, 1987); por outro lado, defende-se que o discurso resulta das construções que a sintaxe da língua oferece (cf. LAMBRECHT, 1996).
O objetivo deste texto, então, é não só unir em uma análise sintaxe e discurso, mas também avaliar como construções de tópico comuns na oralidade do português brasileiro estão “invadindo” o contexto da escrita formal, o que pode revelar a naturalidade com que são produzidas pelos falantes a ponto de adentrar na escrita. Sob a perspectiva da estrutura da informação, serão tomadas como apoio as ideias de Halliday e Hasan (1976), que avaliam o conceito de informação nova ou dada, e as de Lambrecht (1996), que faz a junção da estrutura da informação com a estrutura da gramática. Para a análise no plano sintático, o trabalho se fundamenta nas propostas de Pontes (1986, 1987), pioneira na identificação de construções sintáticas diferenciadas nessa vertente do português, como “o sapato dói o pé”, de Kato (1989) e de Galves (1998), que estabelecem uma descrição sintática para esse tipo de construção, denominada de Tópico Sujeito.
Para tratar dessas questões, o trabalho é composto de cinco seções, além da introdução, em que se discute: o tópico no discurso (seção 2), indicando a sua análise a partir da estrutura da informação; o tópico na sintaxe (seção 3), evidenciando as marcas sintáticas e morfológicas que caracterizam o tópico em outras línguas; o tópico no português brasileiro (seção 4), levantando as abordagens que tratam da construção de tópico específica dessa vertente; o tópico na escrita do português brasileiro (seção 5), fazendo uma análise dos dados encontrados; e as considerações finais, na seção 6.
2. O TÓPICO NO DISCURSO
Ao expressar uma frase, o usuário da língua, falante ou escritor, toma decisões linguísticas que são condicionadas por pressões do contexto ou da situação comunicativa em que está envolvido. Essas decisões relacionam-se à indicação do valor informacional dos sintagmas nominais na frase. Ou melhor, quando um falante/escritor constrói uma frase, a ordem dos constituintes na frase revela se ele sabe o que é novidade para o ouvinte/leitor ou qual o conhecimento partilhado entre eles. É o que se pode observar nos exemplos abaixo:
(1) A cantora convenceu a jornalista a dançar no trio.
(2) A jornalista foi convencida pela cantora a dançar no trio.
(3) Uma cantora convenceu uma jornalista convenceu a dançar no trio.
Em (1), a organização dos constituintes na frase indica que o falante/escritor supõe que o ouvinte/leitor sabe de quem se está falando [a cantora], mas não o que ela fez: convenceu a jornalista a dançar no trio. O falante/escritor organiza a informação de modo que o elemento que faz parte do conhecimento partilhado com o ouvinte/leitor aparece à esquerda, como em (1) e em (2), [a cantora] e [a jornalista], respectivamente; e o elemento que está fora desse conhecimento aparece à direita. A ordem dos constituintes, se à direita ou à esquerda, é uma indicação da pressuposição do conhecimento que o falante/escritor tem em relação ao conhecimento do ouvinte/leitor. Quando há algum tipo de conhecimento partilhado entre eles, como em (1) e em (2), apenas a ordem é suficiente para estabelecer essa pressuposição. Mas, quando o falante/escritor não pressupõe que há um conhecimento partilhado com o ouvinte/leitor, constrói uma frase como (3), sinalizando, através da indefinitude do artigo, que a frase toda traz informações que não são partilhadas com o ouvinte/leitor.
Contextualizando, é possível identificar a pressuposição do conhecimento. Por exemplo, uma frase como em (1) é uma resposta adequada para a seguinte pergunta:
(4) A: Quem a cantora convenceu a dançar no trio?
B: A cantora convenceu a jornalista a dançar no trio.
Ou ainda:
(5) A: A cantora convenceu a jornalista ou a atriz a dançar no trio?
B: A cantora convenceu a jornalista a dançar no trio.
Os contextos apresentados em (4A) e em (5A) evidenciam que há um conhecimento partilhado de um fato: a cantora convenceu X a dançar no trio. Tanto o falante/escritor quanto o ouvinte/leitor detêm esse conhecimento. E esse conhecimento faz parte da pressuposição entre eles. O valor de X, preenchido na resposta, é novo para o ouvinte/leitor, mas faz parte do conhecimento do falante/escritor. O mesmo teste pode ser feito para o exemplo em (2), mas não para o exemplo em (3). Para o exemplo em (2), poderíamos ter:
(6) Por quem a jornalista foi convencida a dançar no trio?
Mas, para o exemplo em (3), seria mais adequada uma pergunta do tipo out-of-blues[2], ou seja, uma pergunta que não revele conhecimento do contexto e, consequentemente, sem compartilhamento de informações, como em:
(7) O que aconteceu?
(8) Por que toda essa algazarra?
É preciso ressaltar, entretanto, que uma informação não partilhada também pode vir à esquerda (mesmo que seja raro esse aparecimento). Como foi dito no início, a ordem depende das informações do contexto. Por exemplo, se perguntássemos (9) ou (10) para os exemplos em (1) e (2), respectivamente:
(9) Quem convenceu a jornalista a dançar no trio?
(10) Quem foi convencida a dançar no trio?
Teríamos, em (1) e (2), dentro do contexto criado, informações novas vindo à esquerda, no início da oração.
Os sintagmas nominais à esquerda, nos exemplos em (1) e (2), se fizerem parte de um conhecimento partilhado, são considerados TÓPICOS. Tanto Halliday e Hasan (1976) quanto van Dijk e Kintsch (1983) consideram o tópico como ponto de partida para a construção do próximo esquema proposicional, para o que vai ser dito a seguir. Mas, para esses autores, a menção prévia explícita de algum conteúdo não é necessária para que o tópico possa ser considerado como referencial, uma vez que, para van Dijk e Kintsch (1983), os interlocutores podem gerar inferências a partir do conhecimento partilhado para fazerem a conexão do tópico com o conteúdo implícito. Isso implica que o reconhecimento de um tópico requer também uma definição cognitiva. Sob essa perspectiva, os tópicos funcionam não só como uma instrução para procurar a representação textual do discurso, mas também como uma indicação de como e onde conectar proposições do texto base[3].
Ilari (1992), confirmando que a importância do tópico não se limita à oração, por ser de alcance discursivo, também concorda com a noção de que o tópico é de algum modo conectado semanticamente[4] com todos os elementos que se incluem no comentário, uma vez que, para ele, embora o tópico seja deslocado à esquerda, mantém com a oração seu papel de actante ou circunstancial na estrutura sintático-semântica da mesma. Para o autor, esse fato pode ser comprovado quando ocorre inaceitabilidade entre o que é expresso no predicado e o tópico, ou porque não se criam contradições semânticas entre o tópico e o predicado ou porque o tópico não é considerado parte integrante da estrutura sintático-semântica do predicado, como em (11):
(11) #Quanto ao jogo, o filme acabou cedo.
Nesse exemplo, se não houver um contexto forte para fazer a ligação entre o elemento à esquerda, o tópico, [quanto ao jogo] e o comentário que vem à direita [o filme acabou cedo], fica difícil estabelecer uma relação semântica e pragmática entre eles.
De modo geral, a estrutura da informação se refere à distribuição, na oração (ou no texto), dos elementos linguísticos que refletem ou o conhecimento comum entre os interlocutores – informação dada – ou o conhecimento só do falante/escritor acerca de algum fato ou evento – informação nova. Essa consideração do que seja informação dada ou nova parte do ponto de vista do falante/escritor que julga se o que está sendo dito/escrito é ou não de conhecimento do ouvinte/leitor. A depender do modelo teórico, a relação entre esses dois tipos de informação pode ser expressa pelos seguintes rótulos: tema/rema; tópico/comentário; tópico/foco e foco/background[5] (cf. SWART; HOOP, 1995).
Halliday e Hasan (1976) defendem que a estrutura da informação não pode ser considerada de forma independente dos três componentes semântico-funcionais no sistema linguístico: o IDEACIONAL, o INTERPESSOAL e o TEXTUAL. O primeiro relaciona-se com o conteúdo, com a função que a língua tem de ser sobre alguma coisa; o segundo refere-se à função social, expressiva e conativa da língua e aos modos que o falante/escritor escolhe para construir a oração; e o terceiro, o Textual, se conecta aos recursos que a língua disponibiliza para a criação de um texto, de modo que este seja relevante em si e com o contexto de situação.
O componente textual, além da organização dos elementos linguísticos, incorpora padrões de significado, como a estrutura da informação. Esta, de acordo com Halliday e Hasan (1976), relaciona-se ao ordenamento do texto em unidades de informação, refletindo a distinção entre DADO e NOVO. O primeiro se refere à informação que o falante/escritor reconhece como recuperável para o ouvinte/leitor a partir de alguma fonte ou outra no ambiente – a situação ou o texto precedente; e o segundo se refere à informação que o falante/escritor está tratando como não recuperável para o ouvinte/leitor a partir de outra fonte. Embora tudo no texto ou na frase tenha algum status no quadro ‘dado-novo’, o elemento DADO é opcional enquanto o NOVO está presente em toda unidade de informação, uma vez que sem este não haveria uma unidade de informação separada. É o que se pode ver no exemplo em (12):
(12) A: O que Bernardo ensina?
B: Português.
O elemento DADO, em (12A) – Bernardo ensina – pode ser dispensado em (12B). Mas o NOVO tem que estar presente: português.
Lambrecht (1996), diferentemente de Halliday e Hasan (1976), considera a estrutura da informação como um componente da gramática, mais especificamente da gramática da sentença, o que a leva a ser um fator determinante na estruturação formal das orações, envolvendo tanto os aspectos formais quanto os cognitivos da linguagem.
Mas, para esse autor, a estrutura da informação também faz parte do universo do discurso, que é dividido em duas partes: mundo externo ao texto – os participantes da conversa, o cenário; e mundo interno ao texto – expressões linguísticas e seus significados.
Dentre as categorias do mundo interno, destacam-se: (i) PRESSUPOSIÇÃO e ASSERÇÃO, que têm a ver com as hipóteses do falante/escritor em relação ao grau de compartilhamento de informação que ele tem com o ouvinte/leitor; (ii) IDENTIFICABILIDADE e ATIVAÇÃO, que se relacionam com a suposição do falante/escritor sobre o status das representações mentais dos referentes do discurso na mente do ouvinte/leitor no momento da enunciação; e (iii) TÓPICO e FOCO, referentes ao julgamento do falante/escritor acerca da relativa predizibilidade ou não das relações entre proposições e seus elementos em dadas situações discursivas (cf. LAMBRECHT, 1996).
A depender dos estados mentais dos interlocutores, das suas representações mentais, do conhecimento que eles têm sobre determinado assunto, estabelece-se o valor da informação. A partir do valor, a informação pode ser considerada NOVA (o FOCO) – se não fizer parte do conhecimento existente na mente do ouvinte/leitor; ou VELHA (o TÓPICO) – se o falante/escritor presumir que ela já está disponível na mente do ouvinte/leitor no momento da produção linguística, ou seja, se houver uma pressuposição do conhecimento dessa informação entre ambos.
Zubizarreta (1998), entretanto, considera que não se pode definir tópico e foco a partir da noção de velho/novo, mas em termos das noções pragmáticas de pressuposição e asserção. Sob essa perspectiva, a pressuposição (onde o tópico está inserido) é constituída pelo conjunto de proposições partilhado pelo ouvinte/leitor e pelo falante/escritor e suposto de ser verdadeiro em um dado momento e em uma dada situação de discurso. A parte não pressuposta (onde se encontra o foco) constitui a asserção. Em uma frase como a seguinte:
(13) Foi UM ARTIGO o que Aníbal escreveu.
a autora considera que a pressuposição é que [Aníbal escreveu x] e a asserção é o valor assinalado ao objeto lógico, sendo o foco, portanto, o constituinte clivado [UM ARTIGO].
Assim, embora a informação NOVA seja geralmente parte do foco, a informação VELHA pode fazer parte tanto da asserção quanto da pressuposição. As noções de informação NOVA vs. VELHA são discursivas, sem nenhuma contraparte gramatical; por isso as noções de pressuposição/asserção são preferidas às de informação VELHA/NOVA, porque aquelas, mas não estas, provocam impacto na Forma Lógica[6] (LF) de uma sentença.
Procurando estabelecer uma relação entre as propostas analisadas até então, assume-se aqui que a pressuposição e a asserção se referem a noções cognitivas, não sendo, portanto, realizadas em elementos linguísticos, mas evocadas a partir deles. Essas noções cognitivas têm como correlatos respectivos na semântica os seguintes termos: informação VELHA ou NOVA, que se refere à avaliação que o falante/escritor, colocando-se na perspectiva do ouvinte/leitor, levanta acerca de um fato, considerando-o como uma informação dada ou nova para este. O correlato dessas noções na sintaxe são o tópico e o foco. Desse modo, defende-se aqui que, quando se fala em pressuposição, está-se falando da operação cognitiva de geração de inferências, ativada a partir do elemento linguístico na posição de tópico e que reconhece uma informação como dada/velha semanticamente; e a asserção se refere ao processo cognitivo de apresentar uma informação por meio de um elemento linguístico na posição de foco, que se constitui uma informação nova semanticamente.
Considerando-se que toda produção linguística natural acontece em um contexto, não é difícil imaginar que os elementos linguísticos em toda e qualquer frase devam satisfazer as propriedades relacionadas ao discurso, que são informacionais e, ao mesmo tempo, sintáticas, já que precisam de posição para a sua ocorrência.
3. O TÓPICO NA SINTAXE
Apesar de a organização dos elementos linguísticos na sentença refletir o seu status informacional, conforme seção anterior, o lugar em que esses elementos são posicionados depende da escolha de cada língua. Desse modo, qualquer que seja o contexto de produção de uma sequência linguística, essa sequência só é produzida porque é permitida pela estrutura gramatical de uma língua; é ela que disponibiliza os meios para se construírem as sequências linguísticas adequadas a uma situação. Por isso alguns autores defendem que a estrutura sintática é autônoma em relação ao discurso, embora as construções das sequências linguísticas sejam motivadas (ou ativadas) por ele (cf. van DIJK; KINTSCH, 1983).
Lambrecht (1996) defende que a estrutura da informação é um módulo interno ao módulo da gramática, o qual, além de gerar as sentenças, deve organizar os seus constituintes de acordo com as informações do contexto. Há evidências linguísticas dessa relação codificada no nível da superfície. É o que foi observado por alguns autores tomando como identificação: a) a marcação morfológica:
Aissen (1992), em relação às línguas maias, como tzotzil e tzu’tujil[7]; e b) a ordem dos constituintes: Costa (2000), em relação ao português europeu.
Aissen (1992), em pesquisa realizada nas línguas maias, tzotzil e tzu’tujil, comprovou que tópicos com distintas funções discursivas, além de ocuparem diferentes posições na oração, diferem na marcação sintática.
Em tzotzil, os tópicos apresentam algumas características sintáticas: são precedidos pela partícula a, são quase sempre marcados com o determinante definido e são fechados por um enclítico –e, como se pode ver nos exemplos abaixo:
(14) A li vo’ote-e ch’e, ta j-chi’in jbatik! xi la[8] (AISSEN, 1992, p. 70 (69))
TOP DET você -ENC então ASP acompanhar um ao outro disseCL
‘Quanto a você, iremos juntos, ele disse’
Em (14), o tópico marcado [li vo’ote] não tem nenhuma relação sintática na oração – tanto o sujeito quanto o objeto direto estão na primeira pessoa do plural –, o que significa, na análise da autora, que ele não tem nenhuma função interna à oração e que não resulta de movimento de dentro da oração.
Em tzu’tujil, de acordo com Aissen (1992), além dessa possibilidade de Tópicos Introdutórios, há os tópicos internos, os Tópicos Continuantes do discurso. Diferentes dos Tópicos Introdutórios, eles não são separados da oração principal por uma pausa e podem ocorrer em orações encaixadas. Por exemplo:
(15) a. Ja k’a rme’al x-u-koj pa xajoj xin Tukun
a PART sua-filha ASP-entrar em dança de Tecun
‘Ele introduziu sua filha na dança de Tecun’
b. y ja rme’al x-ok-i Malincha (AISSEN, 1992, p. 74-75 (85a-b))
e a sua-filha ASP-toca-IV Malincha
‘e sua filha tocou a parte da Malincha’
Em (15a), [rme’al] é um tópico novo, usando a partícula k’a associada ao Tópico Introdutório. Mas o sintagma nominal referente a [rme’al], em (15b), está novamente na posição de tópico onde se refere ao Tópico Continuante do discurso, por isso está marcado pela partícula ja.
No que se refere à relação entre a estrutura da informação e a ordenação dos constituintes, Costa (2000), analisando o português europeu, indica que a ordem das palavras nessa língua varia de acordo com a função que o termo desempenha no discurso. Desse modo, a depender do contexto ou da carga informacional, têm-se diferentes tipos de sujeito ocupando diferentes posições na frase: quando o sujeito, definido ou indefinido, representa uma informação dada, ele aparece em posição pré-verbal, derivando a ordem ou SVO (sujeito-verbo-objeto) ou OSV (objeto-sujeito-verbo), mas nunca depois do verbo. Na posição pré-verbal, os sujeitos estão localizados em diferentes posições, a depender do seu traço de finitude. Se são definidos ficam na área da flexão do verbo, em Spec, IP[9]; se são indefinidos, são deslocados à esquerda. Por exemplo:
- Sujeito definido
(16) Contexto 1: A: O Paulo sabe que línguas?
B: O Paulo sabe francês.
(17) Contexto 2: A: O Paulo sabe francês?
B1: O Paulo sabe francês.
B2: Francês o Paulo sabe. (COSTA, 2000, p. 104 (35)-(36))
De acordo com essa análise, no contexto 1, apenas a ordem SVO é adequada, porque a informação nova deve vir em posição pós-verbal. No contexto 2, ambas as ordens são adequadas, SVO ou OSV, uma vez que todos os elementos estão sendo, de qualquer forma, retomados.
- Sujeito indefinido
(18) Contexto 3: A: Estão imensos animais neste parque: cães, gatos, galinhas.
B: Olha: Um cão mordeu uma criança. (COSTA, 2000, p. 105 (38))
Nesse contexto, a ordem aceitável é SVO, porque o sujeito não representa informação nova, ou seja, em (18A), tem-se o cenário em que os participantes estão localizados e onde podem ser vistos muitos animais, dentre eles vários cães. Um desses cães mordeu uma criança, o que implica que um cão, em (18B), faz parte da informação referida em (18A), por isso não é considerada informação nova nesse contexto. Diferente do que ocorre no contexto abaixo, em que o sujeito pré-verbal representa uma informação nova, o que leva a frase a ter uma gradação em sua aceitabilidade se a ordem for SVO, como em (19B):
(19) Contexto 4: A: O que é que mordeu o Paulo?
B: #Uma cobra mordeu o Paulo. (COSTA, 2000, p. 105 (39))
Quando os sujeitos, definidos ou indefinidos, representam uma informação nova, eles aparecem em posição pós-verbal. Nesse caso, ambos os sujeitos ocupam a mesma posição. Por exemplo:
(20) Contexto 5: A: Ninguém sabe línguas neste grupo?
B: Sabe o Paulo francês. (COSTA, 2000, p. 105 (40))
Como foi apresentado nos contextos das línguas descritas acima, a marcação de um tópico na sentença pode ocorrer ou morfologicamente (como em algumas línguas maias) ou através da organização dos constituintes na frase (como no português europeu).
Estudar as posições sintáticas correlacionadas à estrutura da informação em uma língua em que as funções sejam morfologicamente marcadas, como em tzotzil e tzu’tujil, entre outras, parece ser de tarefa mais simples do que a de apreender essa correlação em línguas, como a língua portuguesa, que não apresentam marcação morfológica para diferenciar as funções discursivas do tópico e do foco. Isso, em parte, pode ser resolvido recorrendo-se aos contextos de perguntas e respostas, como o fez Costa (2000), ou à análise de um contexto mais amplo.
4. O TÓPICO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
A marcação do tópico pode ocorrer de forma diferenciada a depender da configuração sintática da língua e da motivação pragmático-discursiva, como foi discutido acima. Mas uma mesma língua pode dispor de vários tipos de construção de tópico, como o demonstram, em relação ao tópico deslocado à esquerda: Cinque (1990) e Benincà (2004), para o italiano; Raposo (1996) e Brito, Duarte e Matos (2003), para o português europeu; e Kato (1989, 1998) e Galves (1998, 2001) para o português brasileiro. Esses estudos têm também demonstrado que as línguas românicas não apresentam os mesmos tipos de construção de tópico: o que, às vezes, parece ser possível no português europeu não o é em italiano, ou, ainda, algumas construções de tópico que são comuns no português brasileiro não o são no português europeu.
O português brasileiro, por apresentar algumas construções de tópico diferentes das realizadas pelo português europeu, tem sido considerado por alguns autores como uma língua orientada para o discurso (cf. NEGRÃO, 1999) ou de proeminência de tópico (cf. PONTES, 1986; KATO, 1989, 1998; GALVES, 1998, 2001)[10].
De modo geral, pode-se dizer que o português brasileiro, assim como outras línguas românicas, inclusive o português europeu, segue um padrão de organização das informações, deixando a parte pressuposta à esquerda, onde se insere o tópico, e a parte asserida, ou nova, à direita, onde fica o foco. Ao lado dessas construções canônicas de tópico e de construções com indicação formal, como em (21):
(21) Quanto aos assuntos de linguística, é só estudar e tudo será compreendido.
O português brasileiro apresenta outras construções que não são encontradas nem no português europeu nem em outras línguas românicas. Eunice Pontes (1986, 1987) foi a primeira a chamar a atenção para essas construções diferenciadas. É o que veremos a seguir.
4.1. O TÓPICO PARA EUNICE PONTES (1986)
Ao analisar o português urbano falado, Pontes (1986) chegou à conclusão de que o português brasileiro estava passando por mudança em seus padrões, deixando de ser uma língua com proeminência de sujeito, para ser uma língua de proeminência de tópico e de sujeito. Para essa classificação, a autora tomou como base os estudos desenvolvidos por Li e Thompson (1979), que classificam as línguas em quatro tipos: i) línguas com proeminência de sujeito; ii) línguas com proeminência de tópico; iii) línguas com proeminência de sujeito e tópico; e iv) línguas sem proeminência de sujeito e nem de tópico. Algumas construções como as apresentadas em (22)-(24) levaram a autora a inserir o português brasileiro nesta última classificação:
(22) Esse rádio estragou o ponteiro.
(23) A Sarinha está nascendo dentes.
(24) Essa casa bate sol.
Pontes (1986) considera que tais sentenças apresentam características de sentenças com tópico, não devendo ser analisadas através da gramática, mas dentro de uma teoria do discurso e/ou pragmática porque, para interpretá-las, o ouvinte tem que usar seu conhecimento tanto do discurso quanto da situação em que fala.
A autora sugere que a estrutura superficial das sentenças em (22)-(24) é semelhante à do tipo SVO (sujeito-verbo-objeto). Se o sintagma nominal que vem após o verbo [o ponteiro, dentes ou sol] for realmente o sujeito posposto, então poderia ser anteposto seguindo o padrão da língua:
(25) O ponteiro esse rádio estragou.
(26) Dentes a Sarinha está nascendo.
(27) Sol essa casa bate.
Mas, como mostra a autora, o que se observa é que mudanças na ordem das frases as tornam agramaticais, uma vez que, como falantes do português brasileiro, aceitamos naturalmente a ordenação em (22)-(24), mas não as colocadas em (25)-(27). Naquelas construções, o verbo concorda com o sintagma nominal que o antecede, e não com o que tradicionalmente se diz sujeito, ou o argumento do verbo; e a mudança nessa ordem traz prejuízos de significação, como se pode observar em (25)-(27).
Na verdade, ao se analisar a ordem canônica dos constituintes em (28)-(30), percebe-se que os sintagmas nominais que iniciam a oração em (22)-(24) não apresentam relação sintática diretamente com o verbo, conforme função indicada entre parênteses:
(28) O ponteiro desse rádio estragou. (adjunto adnominal)
(29) Os dentes da Sarinha estão nascendo. (adjunto adnominal)
(30) Sol bate nessa casa. (adjunto adverbial)
Um pouco de atenção ao redor no dia a dia e pode-se perceber que tais construções são comuns na oralidade, conforme frase a seguir produzida por um locutor de rádio:
(31) “Os jogadores estão crescendo o cabelo”.
Cuja ordem canônica seria:
(32) O cabelo dos jogadores está crescendo.
Mas a presença da concordância entre “os jogadores” e o verbo, no exemplo em (31), não deixa dúvidas quanto ao elemento escolhido pelo falante para ser o sujeito da frase. Veja que a construção ficaria estranha se a concordância fosse feita com o argumento do verbo – o cabelo:
(33) *Os jogadores[TOP] está crescendo o cabelo[ARG][11].
Frases como essas levantam um problema para a análise tradicional de concordância entre sujeito e verbo porque os argumentos que “deveriam” funcionar como sujeito estão pospostos ao verbo: o ponteiro, os dentes e sol, em (22)-(24), e o cabelo, em (31), e não se relacionam com o verbo. Essas construções são classificadas por Pontes (1986), Kato (1989) e Galves (1998) como de Tópico Sujeito, justamente porque o tópico, mesmo não selecionado pelo verbo, desencadeia a concordância com ele, funcionando como um sujeito.
No português brasileiro urbano, como apontado por Pontes (1986), essas construções estão presentes inclusive na fala culta. Contudo, registros desse tipo não foram encontrados em outras línguas românicas (cf. GALVES, 1998), o que torna o português brasileiro sui generis em relação a essas construções de tópico.
4.2. MUDANÇAS NO PARÂMETRO
Considerando a distinção feita por Li e Thompson (1979) sobre a classificação das línguas, Kato (1989) observa que as línguas de proeminência de sujeito estabelecem a predicação principal da sentença através da relação sujeito/predicado. Nas de proeminência de tópico, por outro lado, a predicação se dá através da relação entre um constituinte tópico e uma sentença (comentário). As predicações com tópico podem ter ou não um elemento a ele co-referente dentro da sentença comentário. O fato de o português brasileiro permitir a ocorrência de objetos nulos possibilita a existência de construções com tópico em que o co-referente aparece nulo, como em (34a).
(34) a. Os alunos, encontrei na saída da escola. (PB/*PE) [12]
b. Os alunos, encontrei-os na saída da escola. (#PB/PE)
Galves (1998), sob a mesma perspectiva, analisa que o português brasileiro tem apresentado características de línguas orientadas para o tópico ao tempo em que está perdendo as propriedades das línguas orientadas para o sujeito. Nestas, quando um constituinte é deslocado à esquerda, aparecem marcas que evidenciam a não correspondência entre a estrutura sintática e a estrutura argumental, como, por exemplo: no caso das orações ergativas, que são realizadas ou na voz passiva ou na voz média (cf. (35b), abaixo); ou no caso da topicalização, cuja marca pode ser um pronome resumptivo clítico (cf. (34b), acima). Nas línguas orientadas para o tópico, essas marcas não são necessárias. Como pode ser visto nos seguintes exemplos, comparando-se o português europeu, com proeminência de sujeito, e o português brasileiro, com proeminência de tópico:
(35) a. O vaso partiu. (PB/*PE)
b. O vaso partiu-se (#PB/PE)
Em (35a), a frase é gramatical no português brasileiro apesar de não conter a marca formal das construções ergativas, o se. Tal frase não é gramatical no português europeu, uma vez que, aí, a presença do se é obrigatória, como se pode observar, comparando-se (35a) e (35b). Em (34), encontra-se uma construção de tópico, em que o constituinte deslocado à esquerda, os alunos, é obrigatoriamente retomado por um clítico resumptivo interno à oração no português europeu (cf. (34b)), mas não no português brasileiro (cf. (34a)). Esses fatos, de acordo com Galves (1998), evidenciam que o português brasileiro está-se caracterizando como uma língua de proeminência de tópico, diferente do português europeu, considerada como de proeminência de sujeito.
São essas construções presentes nos exemplos em (22)-(24), (34a) e (35a) que levam alguns estudiosos a defenderem que o português brasileiro se distingue do português europeu em relação às construções de tópico, sendo, por isso, uma língua com proeminência de tópico e orientada para o discurso.
Outras pesquisas em torno do assunto continuam a ser feitas com o objetivo de caracterizar as construções sintáticas do português brasileiro que se diferenciam das do português europeu, e muitos resultados têm demonstrado que as diferenças estão relacionadas a outras mudanças sintáticas no português brasileiro, como a perda dos clíticos acusativos, o enfraquecimento da flexão verbal, com consequente enrijecimento da ordem dos constituintes, perda da construção VS[13] e tendência ao preenchimento do sujeito; pelo menos foi o que observaram Tarallo e Kato (1993), Tarallo (1996), Kato (1989, 1998), Galves (1998, 2001), Berlinck (1989), Decat (1989), Duarte (1996), entre outros.
5. O TÓPICO NA ESCRITA DO PORTUGUÊS BRASILEIRO
Até então, os dados analisados em relação às construções de tópico sujeito concentram-se em realizações de oralidade. E, de modo geral, poucas análises são feitas tomando como corpus os fatos da escrita.
Algumas construções de tópico são vistas pelo ensino tradicional como se fossem figuras de linguagem (ou o anacoluto, ou o hipérbato). Essas construções, supostamente, devem sofrer a pressão da escola e, talvez em função disso, deixem de ser usadas por alunos em níveis mais avançados de escolaridade. O mais interessante, entretanto, é que, em alguns textos escritos, se observa que as construções de tópico sujeito passam despercebidas pelos professores. Isso pode implicar dois fatos: i) ou aceitação dessas construções; ou ii) essas construções já estão tão naturalmente intrínsecas à língua que não chamam mais a atenção.
O corpus de análise deste trabalho está diversificado, envolvendo coleta aleatória de frases produzidas por alunos de graduação e de especialização, notícias e manchetes de jornais. Os dados estão distribuídos em dois grupos: i) o de tópico pendente; e ii) o de tópico sujeito. No primeiro caso, o escritor da frase coloca o tópico, mas, a seguir, coloca um verbo seguido de um sujeito, com relação semântica e formal entre eles, ficando o tópico como o elemento que estabelece o quadro de referência para o comentário. No segundo caso, o sintagma nominal deslocado à esquerda – o tópico, embora não seja argumento do verbo, desencadeia concordância, como nos casos identificados por Pontes (1986, 1987) e já discutidos aqui.
5.1. GRUPO I: TÓPICOS PENDENTES SOLTOS NA FRASE
Para as autoras Brito, Duarte e Matos (2003), o tópico pendente serve como ponto de partida para o que vai ser dito no comentário, mantendo com este uma relação semântica, obedecendo à Condição de Relevância. O tópico, nesse tipo de construção, realiza-se, geralmente, ou como um sintagma nominal nu (sem determinante) ou regido por uma expressão do tipo quanto a, acerca de, no que diz respeito a, e não apresenta nenhuma relação sintática com o comentário. É o que pode ser visto nos exemplos abaixo:
(36) a. Quanto ao debate de ontem à noite, é forçoso reconhecer que há políticos que falam sobre um país que não conhecem. (BRITO; DUARTE; MATOS, 2003, p. 492 (10))
b. Doces... prefiro cocada.
em que o tópico aparece ou introduzido por uma expressão formal quanto a ou o sintagma nominal aparece sem determinação que o anteceda. Exemplos desse tipo foram encontrados no corpus em análise, como os que seguem:
(37) “Os dêiticos, o seu significado não varia, mas a referência é sempre atualizada” (3º semestre – graduação – UNEB)
(38) “Pode-se deduzir que o texto, embora apresente uma forma sintética de um memorial, nele existe um tema gerador que se mostra desde o início do texto...” (Especialização – UNEB)
(39) “Observou-se que os alunos, em sua maioria 100%, a frequência de leitura por parte desses alunos é eventual ou casual.” (Especialização – UNEB).
Nesses exemplos, os tópicos são retomados por algum elemento interno: em (37), os dêiticos conecta-se ao comentário pelo uso do possessivo seu; em (38), o texto é retomado por nele; em (39), os alunos é retomado por desses alunos. Nesses exemplos, existe conectividade semântica e sintática entre o tópico e algum elemento interno da oração.
Não é o que se observa, entretanto, nos outros dados de escrita, conforme exemplos em (40)-(41), em que o tópico inicia a oração, mas é abandonado. O comentário prossegue com outros elementos. Às vezes, o tópico é um elemento interno à oração que foi deslocado à esquerda (cf. (42), (43)):
(40) “A leitura, enquanto interação, o sentido do texto é produzido pelo leitor a partir dos seus conhecimentos prévios.” (Especialização – UNEB)
(41) A primeira (redação) teve “a dengue” como tema e a segunda foi pedido aos alunos que dissertassem sobre “clonagem”. (2º semestre – graduação – UNEB)
(42) “a escrita é muito difícil de existir uma mudança (na escrita) por ser um meio bastante sólido para ser desintegrado.” (1º semestre – graduação – UFBA)
(43) “A concordância, segundo Monteiro, é um processo complexo e os autores, ou seja, escritores, geralmente no estilo (dos escritores) é muito difícil o uso” (7º semestre – graduação – UNEB)
5.2. GRUPO II: CONSTRUÇÕES COM TÓPICO SUJEITO
Neste grupo, encontram-se construções semelhantes às encontradas por Pontes (1986, 1987) em sua análise do português urbano falado. Vale ressaltar, entretanto, que há construções diversificadas:
a) O tópico sujeito é um elemento deslocado de um lugar interno da oração, como um complemento nominal, em (44), ou adjunto adverbial de lugar, em (45), sem a preposição:
(44) “O livro da editora X sairá uma nova edição no dia 27/08”. (e-mail recebido de uma editora)
(45) “O norte já fica complicado ir de carro pelas longas estradas que possui” (5º semestre – UcSal)
b) o tópico sujeito não é argumento de nenhum elemento interno à oração, mas é um sintagma nominal fronteado com concordância com um verbo, como em (46):
(46) "A quantidade de água suja significa que mais pessoas morrem hoje por causa da água poluída e contaminada do que por todas as formas de violência, inclusive as guerras", disse o Programa do Meio Ambiente das Nações Unidas (Unep, na sigla em inglês). (Disponível em: Globo.com. Acesso em 22/03/2010)
c) O tópico sujeito é argumento interno de algum elemento da oração, um adjunto adnominal, mas o autor usa um subterfúgio: uma mudança na regência do verbo, acrescentando a preposição de, camuflando a construção de tópico sujeito, como ocorre em (47)-(50)[14]:
(47) “Minério de ferro dobra de preço e encarece carros”
(48) “Carro ‘popular’ duplicou de preço em 16 anos” (Folha de São Paulo. 29/08/2010)
(49) “Feijão dobra de preço e vira vilão da inflação.”
(manchete do Jornal Estado de Minas. https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2013/03/06/internas_economia,355122/feijao-dobra-de-preco-e-vira-vilao-da-inflacao.shtml)
(50) “Para quem estava com a expectativa de que os carros vão baixar de preço em 2024, o que será visto nesse texto trata-se de uma boa notícia”
(https://rodobens.com.br/blog/veiculos/os-carros-vao-baixar-de-preco-em-2024-o-que-voce-precisa-saber)
d) O tópico sujeito, em (51), apresenta-se de forma disfarçada:
(51) “Festa de Paraty homenageia pela primeira vez autor de não ficção, reduz presença de escritores (grifos do autor), povoa mesas de acadêmicos e acende controvérsias sobre renovação” (Folha de São Paulo. 31/07/2010)
Vejamos por que o tópico sujeito está disfarçado (ou melhor, está nulo): o sintagma nominal [Festa de Paraty] é considerado o sujeito dos verbos homenageia, povoa e acende, no sentido de que está sendo tomado como elemento de ação, como o sujeito que fez a ação de homenagear, povoar e acender. Mas tal interpretação não pode ser aplicada ao verbo reduzir. Se fizéssemos apenas a leitura da frase acima, entenderíamos que, junto com os outros verbos, o sujeito [Festa de Paraty] teria reduzido a presença de escritores no evento. Ao lermos a reportagem completa, entretanto, entendemos que os escritores, por estarem insatisfeitos com a festa, começaram a não comparecer, ou seja, começaram a reduzir a presença, como se pode ver no trecho abaixo:
Veterano da Festa Literária Internacional de Paraty – esteve em todas as edições, em três delas como convidado ou mediador –, o escritor e agitador cultural Marcelino Freire desta vez vai faltar.
“Parece uma festa que não nos pertence mais”, diz, referindo-se aos escritores. (FSP. 31/07/2010)
Ou seja, numa escrita canônica da frase, teríamos: Festa de Paraty homenageia pela primeira vez autor de não ficção, povoa mesas de acadêmicos, acende controvérsias sobre renovação e escritores reduzem a presença [ou presença de escritores é reduzida].
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo aqui desenvolvido mostrou que a análise das construções de tópico precisa considerar não só o seu status informacional, mas também a sua relação com a estrutura da sintaxe na língua em que são produzidas. De modo geral, o tópico é um elemento deslocado à esquerda e estabelece um quadro de referência para o comentário que o segue e com o qual vincula-se semanticamente e/ou sintaticamente. No português brasileiro, em especial dentre as línguas românicas, em algumas construções, o tópico deslocado à esquerda é considerado pelo falante como o sujeito da oração, desencadeando a concordância com o verbo, como nas construções: os carros furaram o pneu ou o celular descarregou a bateria. Construções desse tipo foram primeiro identificadas por Pontes (1986) ao analisar o português da oralidade. A partir desse achado, vários estudos foram desenvolvidos na tentativa de encontrar uma explicação para esse fenômeno, como os de Kato (1989, 1998), Negrão (1999) e Galves (1998, 2001).
Tem-se até o momento uma vasta produção de trabalhos, tanto na perspectiva da informação quanto da sintaxe, ou envolvendo as duas áreas. Mas ainda não se conseguiu explicar por que o SN deslocado à esquerda, proveniente de um lugar interno da oração e sem relação primária com o verbo, é analisado pelo falante como o sujeito da oração, estabelecendo concordância entre ele e o verbo, produzindo o Tópico Sujeito.
Somente a história linguística europeia não é suficiente para contar as transformações sintáticas ocorridas no português brasileiro. É preciso atentar para outras interferências e influências linguísticas que, no processo sócio, histórico e político, contribuíram para a edificação dessa vertente do português. Recebendo influências de todos os cantos, segue o português brasileiro, em suas construções de tópico, revelando as nossas marcas linguísticas e como, de certo modo, os falantes estão naturalmente “acostumados” a elas, de tal modo que as produzem sem as perceberem – nem na oralidade, nem na escrita. Outros estudos precisam ampliar essa discussão para explicar por que linguista é difícil de conversar[15] e o português brasileiro continua as dúvidas (exemplo nosso).
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[1] A noção de discurso que aqui se está usando refere-se à que é de domínio da Linguística Textual, da construção do texto, observando-se as condições contextuais; e não sob a perspectiva da Análise do Discurso (ou como preferem alguns autores, Análise de Discurso).
[2] Em tradução livre significa “fora de contexto” ou “contexto neutro”.
[3] O texto base é entendido pelos autores como uma representação textual produzida na memória episódica. É uma representação cognitiva do texto.
[4] Essa conexão semântica também é reforçada por Brito, Duarte e Matos (2003), que consideram que o tópico e o comentário devem respeitar a Condição de Relevância, no sentido de que o comentário sobre o tópico deve ser relevante para ele.
[5] Manteve-se aqui o termo em inglês porque já é de uso corrente no Brasil, mas, entende-se por background as informações prévias necessárias para o conhecimento de uma nova.
[6] Forma Lógica, dentro da perspectiva da gerativa, se refere à área da Faculdade da Linguagem que faz a leitura semântica da frase produzida pelo módulo sintático.
[7] Não encontramos tradução para tzotzil e tzu’tujil. Mantivemos, por isso, as designações dessas línguas citadas pela autora em inglês.
[8] As glosas em inglês foram traduzidas para o português, não só nestes exemplos, mas também em outros de outras línguas.
[9] Termos da sintaxe gerativa: Spec, IP – Especificador do sintagma da flexão verbal, o IP. O especificador é o elemento que fica à esquerda do núcleo do sintagma.
[10] Essas autoras baseiam-se na tipologia apresentada por Li e Thompson (1979). Kato (1989), entretanto, concorda em parte com esses autores porque, para ela, a diferença entre os tipos de língua deve estar calcada em torno do tipo de sujeito que as línguas naturais possam selecionar, que é uma escolha paramétrica, e não em torno do tópico.
[11] TOP – tópico; ARG – argumento.
[12] PB – abreviatura para português brasileiro. PE – abreviatura para português europeu.
[13] Inversão Verbo-Sujeito
[14] Nas construções canônicas dessas frases, preço seria o sujeito e o nome (tópico) seria o adjunto adnominal. Por exemplo: O preço do minério de ferro dobra.
[15] Exemplo de Pontes (1986)
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Esse artigo pode ser utilizado parcialmente em livros ou trabalhos acadêmicos, desde que citado a fonte e autor(es).
Como citar esse artigo:
ARAÚJO, Edivalda. O tópico: da oralidade para a escrita no português brasileiro. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v.2, n.6, 2024; p. 206-231. ISSN 2965976-0 | D.O.I.: doi.org/10.59283/unisv.v2n6.016
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