THE IMPACT OF HARASSMENT AND GENDER DISCRIMINATION: PERCEPTIONS OF THE MILITARY POLICE
Informações Básicas
Revista Qualyacademics
ISSN: 2965-9760
Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).
Recebido em: 10/05/2024
Aceito em: 11/05/2024
Revisado em: 16/05/2024
Processado em: 16/05/2024
Publicado em 17/05/2024
Como referenciar esse artigo Stoelben e Azevedo (2024):
STOELBEN, Camila Luísa; AZEVEDO, Rodrigo Silva de. O impacto do assédio e da discriminação de gênero: percepções da policial militar. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 115-127. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.008
Autores:
Camila Luísa Stoelben
Bacharel em Enfermagem pela UNISC, Especialista em Enfermagem do Trabalho pela FAVENI – Contato: camilastoelben97@gmail.com
Rodrigo Silva de Azevedo
Bacharel em Direito pela ULBRA – Contato: rodsa965@gmail.com
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RESUMO
Este artigo objetiva identificar se policiais militares do sexo feminino reconhecem situações de assédio e/ou discriminação de gênero em seu ambiente de trabalho e os sentimentos e/ou reações desencadeados por essas situações. Optou-se pelo método de pesquisa qualitativa, com entrevistas conduzidas com cinco policiais militares em serviço há menos de 15 anos. As entrevistas foram realizadas em três Companhias distintas no interior do Estado do Rio Grande do Sul, locais de atuação das entrevistadas. Os dados coletados foram submetidos à análise de conteúdo. Os resultados indicam que a maioria das entrevistadas não reconhecem explicitamente as situações de assédio e/ou discriminação de gênero no ambiente de trabalho. No entanto, relataram episódios discriminatórios que geram sentimentos de desconforto devido aos comportamentos dos colegas e da comunidade, bem como comprometimentos à saúde mental, que frequentemente requerem tratamento medicamentoso. As entrevistadas referem não reagir a esses eventos, atribuindo-os à cultura social em relação às mulheres. A pesquisa conclui que a aceitação passiva dessas situações pelas policiais militares reforça um sentimento de inferiorização e submissão. Estes achados ressaltam a importância de políticas direcionadas às mulheres dentro das instituições militares e a necessidade de conscientização de todos os militares sobre a questão de gênero. Tais medidas são essenciais para promover um ambiente de trabalho mais equitativo e saudável para as mulheres na polícia militar.
Palavras-chave: Comportamento social; Assédio não sexual; Polícia; Saúde mental.
ABSTRACT
This article aims to identify whether female military police officers recognize situations of harassment and/or gender discrimination in their work environment and the feelings and/or reactions triggered by these situations. A qualitative research method was chosen, with interviews conducted with five military police officers who have been in service for less than 15 years. The interviews were conducted in three different companies in the interior of the State of Rio Grande do Sul, where the interviewees work. The collected data were subjected to content analysis. The results indicate that most of the interviewees do not explicitly recognize situations of harassment and/or gender discrimination in the workplace. However, they reported discriminatory episodes that generate feelings of discomfort due to the behavior of colleagues and the community, as well as mental health issues that often require medication. The interviewees reported not reacting to these events, attributing them to societal culture regarding women. The research concludes that the passive acceptance of these situations by female military police officers reinforces a feeling of inferiority and submission. These findings highlight the importance of policies directed at women within military institutions and the need to raise awareness among all military personnel about gender issues. Such measures are essential to promote a more equitable and healthy work environment for women in the military police.
Keywords: Social behavior; Non-sexual harassment; Police; Mental health.
1. INTRODUÇÃO
A saúde é direito universal e dever do Estado, conquista do cidadão brasileiro conforme Constituição Federal, no artigo 196, e regulamentada pela Lei Orgânica da Saúde, nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Nesta mesma lei, é abordada a saúde do trabalhador, conforme inciso V do artigo 16, que dispõe que promover ambientes e processos de trabalhos saudáveis são fundamentais (SANTOS, 2019; BELLENZARNI et al., 2016). Neste contexto, a Constituição Federal de 1988 assegura que todos são iguais perante a lei e, logo, independente do gênero. No Brasil, o acesso aos principais direitos sociais, educação e saúde, é concedido no mesmo nível a todos, brindando atenção especial à mulher. Porém, não obstante, na realidade, esta lei nem sempre é respeitada, tornando infindáveis as situações discriminatórias (SOUZA; BERNARDO, 2019; SIQUEIRA; SAMPAIO, 2019).
Entretanto, perseveram imposições em algumas funções de trabalho que exigem força, devido a acreditar-se que o homem é quem possui a robustez necessária para desenvolver estas ações. Este pensamento apoia-se em conceitos oriundos da era antiga, em que homem e mulher eram considerados seres dissemelhantes, sendo a mulher um ser sensível e frágil, incapaz de realizar ocupações específicas, denunciando a disparidade entre os gêneros. Da mesma forma, são evidenciadas questões salariais desiguais para as mesmas funções, construindo a manifestação da discriminação de maneira evidente, desde meados longevos onde a mulher é subjugada ao homem, no qual evidencia-se que são incompetentes para algumas ações funcionais, despertando negativamente a moral destas, deprimindo, inferiorizando, assediando e desvalorizando a dignidade do ser que deve ser visualizado com respeito (SANTOS, 2019; BRASIL, 2019).
Pode-se relacionar facilmente ações de assédio com manifestações discriminatórias, isto porque, historicamente, podia-se acompanhar a divisão sexista das atribuições sociais. Estruturas patriarcais dividiam as tarefas designando-as, arbitrariamente, como de cunho feminino ou masculino. Assim, com a evolução da sociedade ocorreu a inserção da igualdade de gênero no ordenamento jurídico propiciando o reparo de tais desigualdades, logo desenvolvendo o aumento da equidade entre os sexos. Contudo, ainda há condutas culturais que reservam ao homem o papel de epicentro, seja em ambiente familiar ou de trabalho, onde em ambos é considerado o maior responsável pelo seu controle, no primeiro como o principal provedor e no segundo na figura de comando (HIGA, 2016; FERRAZ et al., 2020).
Nesse contexto, vale frisar, que a procura pelos serviços de saúde para manter a sanidade mental em ambiente de trabalho, não raramente devido a condutas discriminatórias que desafiam o bem-estar do trabalhador, aumentou consideravelmente. Em razão disto e também por ser um tema relativamente novo, os sintomas e patologias psíquicas na maior parte dos casos são mal compreendidos, assim diagnosticados de forma incorreta e, consequentemente, subnotificados e sem resolução (FERNADES et al., 2018).
Os assédios moral e sexual, embora evidentes, são de difícil mensuração e fazem parte da rotina das policiais nas instituições de Segurança Pública. Esses ambientes são altamente hierarquizados, o que envolve barreiras invisíveis nas relações de poder entre chefias e subordinados, e carecem de uma Política Pública específica para os Direitos Humanos das Mulheres Policiais. Muitas vezes, o assédio é visto como uma forma de tornar a policial mais preparada para exercer suas atividades, e não existem programas destinados a discutir essa questão de forma cuidadosa. Diante disso, questiona-se: a Segurança Pública pode ser dignamente prestada por uma policial que tem seus próprios direitos violados em sua rotina profissional? (MORAES, 2017).
A carência de uma transversalização de gênero é constatada desde o princípio do material operacional, que pretere a aquisição de equipamentos operacionais e/ou proteção individual ergonomicamente adaptado, das instalações, alojamentos e banheiros para uso femininos inexistentes, ao habitual serviço de função secretarial, a condescendência de piadinhas complementando o assédio, persuadindo a “domesticação” das próprias mulheres, que introjetam os preconceitos nas suas vidas e acabam por assumir aspectos masculinos, buscando soluções individuais pela falta de políticas institucionais, consequentemente, causando danos a sua saúde e até suicídio, vistos posteriormente como problemas particulares (RIBEIRO, 2017; BARUFALDI et al., 2017).
O assédio e a discriminação de gênero, sentidos pela mulher no seu ambiente laboral, são considerados problemas de saúde do trabalhador, vez que afetam a sua saúde mental. Portanto, a política de prevenção a tais comportamentos deve ser efetivada a fim de que haja um ambiente de trabalho saudável, reduzindo assim riscos psicossociais que afetam negativamente a psique da servidora (HIGA, 2016; ROSSATO et al., 2020).
Considerando os demais tipos de violências aplicadas, neste caso com as mulheres, a psicológica é a mais evidenciada, passando, muitas vezes, despercebida aos olhos dos demais e das próprias vítimas (BUENO et al., 2019). Entende-se que esse estudo possa, na medida em que instigar reflexões junto às mulheres e à gestão das instituições, fornecer os motivos necessários para a elaboração de projetos que previnam situações de assédio e/ou discriminação de gênero a fim de que contribuam na promoção da saúde laboral de mulheres no seu ambiente de trabalho.
Frente ao exposto, objetivou-se com a pesquisa identificar se as policiais militares reconhecem situações de assédio e/ou discriminação de gênero, bem como, os sentimentos e as reações desencadeadas.
2. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO
2.1 MÉTODO
Este estudo de abordagem qualitativa foi desenvolvido em três companhias de policiais militares do Estado do Rio Grande do Sul, e com o intuito de manter o anonimato tanto dos sujeitos quanto das companhias, nomeou-se como Companhias A, B e C. Quanto ao efetivo destas companhias, este constitui-se, aproximadamente, 18.000 militares, sendo aproximadamente 2.900 mulheres e 15.100 homens. Os critérios de inclusão para seleção dos sujeitos da pesquisa foram ser policial militar do Estado do Rio Grande do Sul de sexo feminino e em serviço ativo. Como critério de exclusão determinou-se atuar como policial militar em serviço ativo acima de 15 anos de ingresso.
Os dados foram coletados com maior copiosidade possível de detalhes através de uma entrevista semiestruturada com pontos norteadores, cujo tempo de duração foi em torno de uma hora, realizada nos meses de abril e maio de 2022. O instrumento foi submetido a teste piloto com duas policiais militares e, como não houve necessidade de alteração do instrumento, estas policiais compuseram os sujeitos da pesquisa. O instrumento constituiu-se de itens para levantamento do perfil profissional e das questões elaboradas com o propósito de atingir o objetivo da pesquisa.
Foram selecionadas seis policiais militares que respeitaram os critérios de inclusão, sendo que uma não aceitou participar do estudo, não apontando a justificativa. A finalização da aplicação das entrevistas com policiais ocorreu por saturação de dados. Os dados qualitativos foram transcritos na íntegra, formando um corpus de análise, onde cada respondente recebeu um codinome numeral mantendo seu anonimato, conforme a ordem da coleta de dados.
A pesquisa somente iniciou-se após a aprovação do comitê de ética e seleção dos sujeitos participantes. Os locais que foram realizados as entrevistas contaram com uma sala reservada de acesso restrito nas Companhias, mantendo a privacidade do sujeito para que os relatos fossem os mais fidedignos possíveis. Introduziu-se o diálogo com o sujeito expondo os objetivos da pesquisa e com a aprovação de participação deste voluntário. Após este momento, foi apresentado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que continham os riscos e benefícios da pesquisa, como os critérios de inclusão e exclusão, onde as policiais assinaram duas vias, sendo que uma das vias ficou com a participante e a outra com o pesquisador. Em seguida, foram iniciados os questionamentos e após finalizar as respostas, encerrou-se a entrevista.
Os dados foram submetidos ao método de Análise de Conteúdo, ferramenta metodológica constituída por três fases fundamentais: a pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (CARDOSO et al., 2021). Para a realização dessa análise, primeiramente, foi feita a leitura flutuante das entrevistas transcritas e após uma análise aprofundada das falas, buscando o alcance dos objetivos.
O estudo atendeu os aspectos éticos conforme Resolução CNS nº 466/2012, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição com parecer nº 5.413.471 e CAAE nº 54569421.6.0000.5343 e todos os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido.
3. RESULTADOS
Participaram do estudo cinco profissionais da área de segurança pública, sendo todas do sexo feminino, cujas idades variaram entre 25 e 42 anos, das quais três estavam na segunda década de vida e duas na quarta, sendo que apenas estas duas possuíam cada uma um filho. Quanto ao estado civil, três eram casadas; o tempo de serviço, como policial, variou de dois a 15 anos. No que diz respeito ao grau de escolaridade, três possuíam ensino superior completo, sendo duas pós-graduadas, uma na área do direito e uma na área da pedagogia, destas três, uma bacharela em direito. Das outras duas, uma com ensino superior incompleto e outra com ensino médio completo. Quanto à função atual das profissionais, duas exerciam funções administrativas, duas funções de rádio operadora e uma função de policiamento ostensivo, ou seja, quatro destas desempenham função internamente nos quartéis desde seu ingresso nas corporações militares.
Todos os relatos das mulheres, identificadas por letras e números E1, E2, E3, E4 e E5, experienciaram, em algum momento da sua atuação, suas habilidades profissionais testadas, exigindo que as suas tarefas fossem realizadas de maneira excepcional, convivendo com piadas de conotação sexual, cantadas e insinuações. Porém, mantiveram-se em silêncio, pelo medo de se contrapor numa cultura tão grandiosa e presente na atualidade. Os sentimentos desencadeados mais presentes por ordem decrescente foram: tristeza, discriminação, raiva, inferiorização e impotência. Contudo, também houve colocações que denunciavam a aceitação passivamente, bem como, reforços de inferiorização. Na relação com a comunidade, quatro relataram episódios em que houve discriminação por ser uma policial mulher no atendimento da ocorrência. Quando relacionado aos colegas de serviço, todas expuseram falas e episódios que demonstram a desaprovação com o sexo feminino nas polícias.
Quando havia eventos no respectivo setor que eu trabalhava, eles achavam que, por eu ser mulher, eu tinha que fazer a comida e ninguém me ajudava; eu tinha que fazer comida para todo mundo e limpar depois, porque me questionavam o que eu queria ali, o que eles queriam com mulher ali no setor se não fosse para isso. [...] eu devia limpar o banheiro já que era mulher ou me mandavam ficar dentro da viatura para não acontecer nada comigo nas ocorrências. (E4)
[...] um superior não me colocou para trabalhar na rua e, sim, somente internamente atendendo ao telefone, pois, não só ele, alguns colegas diziam que mulher trabalhando na rua somente com dois militares na viatura seria arriscado pelo fato do colega masculino ter que além de se cuidar, cuidar da policial feminina, pois a mesma não teria capacidade de exercer as mesmas funções que ele e que colocaria em risco a guarnição. (E5)
Uma situação especifica que passei foi que, uma vez, uma cidade pediu apoio para nós. Era eu e mais uma colega mulher, e, ao chegarmos na cidade que pediu apoio, o colega olhou para nós e disse que, se tivesse falado que era nós duas, não precisava ter vindo, que não muda em nada. (E2)
Também teve um dia que eu estava de serviço com mais dois colegas e nós estávamos conversando sobre relacionamentos e afins, momento em que o colega olhou para mim e disse: “ao invés de tu dar para mim fica dando para os outros”. (E3)
Também houve uma situação em que um superior apareceu na frente da minha casa de carro particular e pediu para eu abrir o portão, momento em que me neguei (...) respondi que na minha casa não, que podemos conversar no serviço que é o local correto, pois, eu não tinha nada para conversar com ele dentro da minha casa e nunca dei intimidade ao mesmo e, então, ele foi embora. A partir de então, minha vida virou um inferno, pois o mesmo começou a me perseguir e me prejudicar de todas as maneiras possíveis, o que só sessou quando relatei o que estava acontecendo para o superior deste e fui transferida imediatamente para outra cidade de minha escolha. (E4)
Algumas policiais relataram reconhecer situações de assédio, sendo que estas também disseram reconhecer principalmente como discriminação de gênero e uma trouxe a fala de que o assédio no Brasil é cultural. Outras policiais também reforçaram quanto a ser cultural, chamaram de cultura do machismo, trazendo a justificativa de que os homens não falam por maldade, mas por preocupação, por zelo e proteção, sendo que todas as policiais relataram que a mulher é mais fraca que o homem.
Dentro do militarismo, dentro de todas as instituições militares, sempre foram em sua maioria masculinas e criou se uma ideia que, se a mulher entrasse, não fariam as mesmas coisas que o homem faz, então, isso está até hoje presente no militarismo. (E3)
Também relataram procurar suporte médico, realizando tratamento psiquiátrico, terapia psicológica e uso de ansiolíticos, apontando questões como surtos psicóticos, transtornos de humor, ansiedade e depressão. Porém, três colocaram que não procuraram ajuda, mas referiram falta de ar e ansiedade, sentimentos de tristeza e outros sentimentos negativos.
Porém gostaria de expor que não culpo somente estas situações, em específico, para ter desenvolvido as patologias em mim, mas sim, sem dúvida, agregou para que se agravassem. Houve situações em que eu já não estava muito bem e ao ser tratada desta forma, mexia tanto comigo, com tudo que já sonhei para mim que cogitei o suicídio. (E1)
Frente às situações relacionadas por ser mulher, todas as respondentes manifestaram sentir tristeza por essas vivências e revelaram que não tiveram reação, que se mantinham em silêncio e aceitavam. A justificativa apontada foi de impotência, sendo colocado por algumas que não poderiam desrespeitar ordens superiores e sentiam medo de se contrapor.
Dentre as entrevistadas, muitas acreditam que se as mulheres se conscientizarem, o que poderia acontecer através de ações educativas, faria com que elas ao menos reconhecessem as situações discriminatórias, sendo fundamental se impor, mas, apontaram essa possibilidade de mudança somente para as próximas gerações.
4. DISCUSSÃO
As maiorias das policiais desempenham função interna e, simultaneamente com isto, percebem-se as justificativas de que são designadas desta forma porque os homens querem a proteção delas e todas concordam com o fato de que eles não falam por maldade, mas por zelo e pela força física menor da mulher. Essas informações são corroboradas em estudos científicos nacionais e internacionais, análogos a este, pontuando que nos ambientes militares, mesmo que, formalmente, os pré-requisitos sejam os mesmos para ambos, as mulheres devem evidenciar suas capacidades de forma diferenciada para apossarem-se de uma posição ao invés do homem (RIBEIRO, 2017; PEREIRA, 2017).
A dificuldade de os policiais masculinos introduzirem as mulheres no seu ambiente de trabalho está relacionada ao fato de que culturalmente a atividade policial era vista de cunho exclusivamente masculino, pois a mulher, além de ser vista apenas como a pessoa responsável pelos afazeres domésticos, jamais poderia ser vista como autoridade exercendo poder de polícia, pois de certa forma, na visão masculina conservadora, estaria ela diminuindo o seu poder patriarcal. Dessa forma, parece haver um consenso institucional machista de que a mulher não suporta certas funções exercidas pelo homem, sendo um dos principais motivos a sua estrutura física e fragilidade emocional, direcionando-a ao exercício de sua atividade apenas para serviços administrativos, configurando-se, assim, a discriminação, a humilhação, o desrespeito, o constrangimento (RIBEIRO, 2017; SAMPAIO et al., 2017).
Outra hipótese explicativa à discriminação e assédio, está apoiada em os homens notar a policial feminina como ameaça aos seus cargos devido ao seu raciocínio intelectual, procurando através de tais atos diminuí-las na estrutura e rotina policial (PEREIRA, 2017). Ao praticarem tais ações, reproduzem relações de gênero historicamente desiguais, que colocam as mulheres em posições subalternas ou as deixam sem voz para denunciar estas ações as quais são vítimas no ambiente de trabalho (RIBEIRO, 2017).
Antes de tudo, os homens presenteiam as mulheres com o discurso da proteção, onde os policiais masculinos são os que mais apoiam essa forma de discriminação, acreditando que as policiais femininas devem ocupar vagas especificas dentro das corporações, já que os atributos de força e virilidade, hipoteticamente, não podem ser encontrados nelas, resguardando-as do serviço operacional no espaço público e reservando para, assim, o ambiente privado (RIBEIRO, 2017).
As policiais confirmam que se sentem discriminadas em relação à sua funcionalidade profissional, tanto por colegas quanto pela comunidade em geral, o que desencadeia diversas emoções negativas e um sentimento de inferioridade em relação aos homens. No entanto, esses eventos de discriminação e/ou assédio não são reconhecidos por elas como tais, sendo frequentemente classificados como uma conduta habitual, apesar de manifestarem sinais e sintomas prejudiciais à saúde que requerem o uso de medicações.
Portanto, verifica-se que a maior dificuldade no ambiente de trabalho é o próprio reconhecimento desses fatos discriminatórios e assediadores. É imperativo que gestores e as próprias mulheres desenvolvam a capacidade de perceber tais abusos através de uma nova perspectiva, uma que transcenda a cultura machista. O primeiro passo para que essas profissionais possam ser diagnosticadas e tratadas adequadamente é o reconhecimento de que são, de fato, vítimas de comportamentos que prejudicam sua saúde mental. Para tanto, as instituições policiais devem investir em políticas educacionais de conscientização para todos, abrangendo tanto o público masculino quanto o feminino.
Neste cenário de tratamento inferiorizado, é comum o desenvolvimento da insônia, o uso de tranquilizantes, o sofrimento com dores musculares, a presença de sintomas emocionais, como irritabilidade aumentada, angústia, ansiedade, tristeza e sentimentos de mal-estar indefinidos. Esses contratempos estão intimamente relacionados ao sofrimento ocupacional (HIGA, 2016; BOLETIM EPIDEMIOLÓGICO, 2019). Além destes, também podem estar presentes sintomas intelectuais, como dificuldade para tomar iniciativas ou decisões, e mudanças comportamentais, como se tornar violento e agressivo. Ao buscar atendimento aos setores de saúde, estes sinais e sintomas acabam sendo reconhecidos por diversos outros motivos, mas tão pouco pela violência psicológica ocupacional que esta mulher sofre. Dito isto, a importância de estudos científicos para a conscientização também dos profissionais de saúde (HIGA, 2016).
Inúmeras são as condutas de assédio que atingem as mulheres, muitas delas justificadas pelos homens de que a própria vítima é culpada, isto é, o próprio comportamento da servidora é que motiva o comportamento discriminatório dentro das instituições militares. O ambiente de trabalho que confronta a dignidade da pessoa humana formado por mentalidade avessa a equidade de gênero não permite que os gestores, normalmente do sexo masculino, percebam que os motivos de tais infortúnios estão enraizados em um contexto histórico social, deixando assim de exercer o devido combate a esses comportamentos. Há mulheres que desejando reparar o dano sofrido ou fazer cessar as agressões acabam por reclamar do fato a seu superior, porém, não raro, sofrem nova situação de desprezo, pois passam a ser tratadas de forma preconceituosa, sentindo-se humilhadas e, não raro, acusadas de responsáveis pelas condutas agressoras (BRASIL, 2012). Exemplo disso ocorre que em razão da farda mais ajustada da mulher, onde o homem entende que a mulher deseja chamar atenção e assim motivando comportamento de assédio a ser tratada como se estivesse se oferecendo a um possível relacionamento íntimo.
Graças à evolução da sociedade civil, atualmente a vítima passou a ter atenção especial no ordenamento jurídico e, por esta razão, se consagrou o seu estudo através da disciplina vitimologia, onde restou claro que a vítima mulher muitas vezes desiste de realizar denúncias por sofrer dupla violência ao ser responsabilizada pelo comportamento do autor dos atos, assim gerando obstáculos para responsabilizar o agressor, bem como para que surta o segundo efeito de prevenção do assédio e da descriminalização com a sua penalização (HIGA, 2016; ROSSATO et al., 2020).
Compreende-se, deste modo, que a conscientização de todos é medida que se impõe a fim de que o impacto do assédio e da discriminação de gênero nas instituições militares seja execrado com o propósito de construir um ambiente salutar para as policiais militares que são importantes para atividade policial, vez que a sociedade evoluiu e o espaço da policial mulher não pode ser restringida por mentes que não acompanham o desenvolvimento da civilização.
5. LIMITAÇÕES DO ESTUDO
Entre as limitações do estudo houve a dificuldade de conciliação de horários para entrevistar as policiais militares, como também uma distância significativa entre as companhias. Acrescenta-se também que, nestes locais, nem sempre disponibilizaram ambiente com privacidade adequada para a entrevista.
6. CONTRIBUIÇÕES PARA A PRÁTICA
Entende-se que o estudo poderá subsidiar profissionais de saúde para uma escuta sensível junto às profissionais militares, possibilitando o apoio e encaminhamento que se fizer necessário. Estas intervenções podem, por meio de uma rede de suporte, prevenir abalo moral e psicológico, muitas vezes, só evidenciado na autoagressão e suicídio.
7. CONCLUSÃO
Identificou-se que as policiais militares entrevistadas sofrem com assédio e discriminação de gênero. No entanto, a maioria delas não reconhece essas situações como tais, apesar de relatarem episódios discriminatórios e problemas de saúde mental que exigem diversos tipos de terapias medicamentosas. Elas justificam a falta de reação atribuindo esses comportamentos à cultura societal em relação às mulheres, o que reforça uma postura de aceitação da submissão e um sentimento de inferiorização. As entrevistadas destacam a importância da conscientização e da responsabilização dos homens para acabar com esses comportamentos, sublinhando a necessidade de políticas direcionadas às mulheres dentro das instituições militares e da conscientização de todos os militares sobre a questão.
Apesar do crescente empoderamento feminino em diversos setores, como o legislativo, a política e o empresarial, a submissão da mulher ao homem e a negação da discriminação ainda são prevalentes. Isso reforça a urgência da criminalização do assédio moral em ambientes militares e do reconhecimento, pelos profissionais de saúde que atendem essas policiais, da necessidade de oferecer o suporte necessário para que as vítimas possam reconhecer e buscar o encaminhamento adequado para suas situações.
9. REFERÊNCIAS
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Como citar esse artigo:
SOUSA, André Matheus Ferreira Gusmão de; QUEIROZ, Wesdensbergton Weslley Monteiro. Atuação da fisioterapia na prevenção e tratamento das principais lesões desportivas em praticantes do para-atletismo. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 105-114. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.008
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