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Bruna Anatália Reis Santos

O ARRANJO FEDERATIVO COMO LIMITADOR DA VONTADE POLÍTICA MUNICIPAL

Atualizado: 15 de ago.

THE FEDERAL ARRANGEMENT AS A LIMITATION ON MUNICIPAL POLITICAL WILL

 

Informações Básicas

  • Revista Qualyacademics v.2, n.4

  • ISSN: 2965-9760

  • Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).

  • Recebido em: 02/08/2024

  • Aceito em: 04/08/2024

  • Revisado em: 12/08/2024

  • Processado em: 13/08/2024

  • Publicado em: 14/08/2024

  • Categoria: Artigo de revisão


 




Como referenciar esse artigo, Santos (2024):


SANTOS, Bruna Anatália Reis. O arranjo federativo como limitador da vontade política municipal. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 4, 2024; p. 227-238. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n4.017



Autor:


Bruna Anatália Reis Santos

https://orcid.org/0009-0007-8853-2843 - Procuradora efetiva da Câmara Municipal de Palmas, aluna especial do Mestrado Profissional em Poder Legislativo da Câmara dos Deputados, Pós-Graduada em Direito e Gestão Municipal pelo Instituto de Direito Aplicado ao Setor Público, Pós-Graduada em Residência Jurídica pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins – Contato: bruna.anatalia@gmail.com




RESUMO

 

Este estudo expõe breves reflexões acerca do princípio federativo, sob a perspectiva da participação do município. Para tanto, parte-se de algumas sucintas considerações sobre a origem do federalismo, no âmbito do movimento político de formação da república federativa norte-americana e brasileira. Daí, empreende-se, então, uma análise do federalismo da Constituição Federal de 1988 e que o sistema representativo do Congresso Nacional não reflete o conceito lógico-jurídico de Federação na medida em que não permite a participação dos municípios no processo legislativo nacional. Por fim, conclui-se pelo reconhecimento de um modelo de pacto federativo com vício de formação que inviabiliza o cumprimento das responsabilidades municipais, o que acaba por refletir diretamente no desenvolvimento político e social do país.

 

Palavras-Chave: Federalismo; Município; Participação Política; Processo Legislativo.

 

ABSTRACT

 

This study presents brief reflections on the federal principle from the perspective of municipal participation. To this end, it begins with concise considerations on the origin of federalism within the context of the political movements that shaped the formation of the federative republics of the United States and Brazil. The study then analyzes the federalism established by the 1988 Federal Constitution, arguing that the representative system of the National Congress does not reflect the logical-legal concept of a Federation, as it does not allow for municipal participation in the national legislative process. Finally, it concludes by recognizing a federative pact model with a formation flaw that hinders the fulfillment of municipal responsibilities, which, in turn, directly impacts the political and social development of the country.

 

Keywords: Federalism. Municipality; Political Participation; Legislative Process.

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo tem como objetivo apresentar resumo teórico sobre o impacto do arranjo do federalismo brasileiro no papel político do município enquanto ente federado.


Com o advento da Constituição de 1988, o federalismo, que até então era pautado pelo modelo dual, ganhou nova roupagem com a inserção do Município como ente federado ao lado da União, dos Estados e da figura híbrida do Distrito Federal. A institucionalização do federalismo tridimensional outorgou ao Município autonomia política, legislativa, administrativa e financeira.


A despeito dos avanços da autonomia, a participação municipal na tomada das decisões políticas do Estado Federal, característica elementar do federalismo, sofre limitações, já que o município não possui representantes na formação do processo legislativo da vontade política nacional.


Nessa perspectiva, pretende-se, por meio deste estudo, compreender se o arranjo federativo, tal como posto, implica numa relação de desigualdade política dos entes federados e diminui o protagonismo municipal no desenvolvimento do país.

Para tanto, será apresentado, inicialmente, um breve contexto histórico do federalismo e o delineamento das características tidas por essenciais de um Estado Federal. Em um segundo momento, será ressaltado que adoção do sistema bicameral do Congresso Nacional não reflete o conceito lógico-jurídico de Federação.


Por fim, verificar-se-á as implicações da ausência de representantes dos municípios na elaboração da vontade política nacional.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

 

Em seu significado original, Federação, do latim foedus (pacto, tratado ou aliança), significa uma convenção entre entidades (famílias, tribos, nações, etc.) que se obrigam reciprocamente (PROUDHON, 2001, p. 90).


Predomina na literatura que o federalismo tem origem na experiência norte-americana surgida da união dos Estados soberanos oriundos das treze antigas colônias britânicas durante o processo de independência e formação da nova república americana. No embate entre os propositores do federalismo e os defensores da confederação, forma de união de estados adotada logo após a declaração de independência, prevaleceu a opção pela forma federativa. Manteve-se, assim, a autonomia dos estados-membros, porém, firmando-se, entre os estados, um pacto federativo inscrito na Constituição que os uniu em torno de um ente central, a União Federal, detentora da soberania territorial da Federação (DALLARI, 2007, p. 215 e seguintes).


Embora a concepção moderna de federalismo seja indissociável do referido contexto histórico, no qual houve um movimento de agregação de Estados americanos independentes que abdicaram de sua soberania em favor de um ente central para defender seus interesses comuns, a definição de federalismo é tema bastante complexo como bem destaca Souza:


O federalismo é tema de difícil conceituação. A dificuldade advémdo fato de que o federalismo é um conjunto de elementos institucionais e doutrinários.Institucional na medida em que agrega interações entre unidades subnacionais e o todo (União, federação), o que supõe um conjunto de exigências formais; doutrinário no ponto em que, à forma, se juntam elementos normativos, como a democracia, o pluralismo, o desenvolvimento, a paz (SOUZA, 2008).

 

Conceituado o federalismo, LIPJHART assinala que:


Podemos encontrar uma grande variedade de definições existentes na literatura sobre o assunto, porém há um amplo acordo sobre sua característica mais básica: uma divisão de poder garantida entre governo central e governos regionais (2008, p. 214).

 

Por sua forma didática, vale transcrever a síntese das principais características do federalismo apresentada por BASTOS:


1ª) uma descentralização político-administrativa constitucionalmente prevista; 2ª) uma Constituição rígida que não permita a alteração da repartição de competências por intermédio da legislação ordinária. Se assim fosse possível, estaríamos num Estado unitário, politicamente descentralizado; 3ª) existência de um órgão que dite a vontade dos membros da Federação; no caso brasileiro temos o Senado, no qual reúnem-se os representantes dos Estados-Membros; 4ª) autonomia financeira, constitucionalmente prevista, para que os entes federados não fiquem na dependência do Poder Central; 5ª) a existência de um órgão constitucional encarregado do controle da constitucionalidade das leis, para que não haja invasão de competências (1994, p.146).

 

Sendo mais incisivo quanto aos critérios do federalismo, BONAVIDES afirma que a autonomia e a participação são pilares desta forma de Estado:


Há, segundo George Scelle, dois princípios capitais que são a chave de todo o sistema federativo: a lei da participação e a lei da autonomia. Mediante a lei de participação, tomam os Estados-membros parte no processo de elaboração da vontade política válida para toda organização federal, intervêm com voz ativa nas deliberações de conjunto, contribuem para formar as peças do aparelho institucional da Federação e são no dizer de Le Fur partes tanto na criação como no exercício da substância mesma da soberania, traços estes que bastam já para configurá-los inteiramente distintos das províncias ou coletividades simplesmente descentralizadas que compõe o Estado unitário. Através da lei da autonomia manifesta-se com toda clareza o caráter estatal das unidades federadas. Podem estas livremente estatuir uma ordem constitucional própria, estabelecer a competência dos três poderes que habitualmente integram o Estado (executivo, legislativo e judiciário) e exercer desembaraçadamente todos aqueles poderes que decorrem da natureza mesma do sistema federativo, desde que tudo se faça na estrita observância dos princípios básicos da Constituição federal. A participação e a autonomia são processos que se inserem na ampla moldura da Federação, envolvidos pelas garantias e pela certeza do ordenamento constitucional superior a Constituição federal, cimento de todo o sistema federativo. Tanto a participação como a autonomia existem em função das regras constitucionais supremas, que permitem ver na Federação, como viu Tocqueville no século XIX, duas sociedades distintas, ‘encaixadas uma na outra’, a saber, o Estado federal e os Estados federados harmonicamente superpostos e conexos (1995, p. 181).

 

Sem qualquer pretensão de fixar um conceito deste termo, a partir do levantamento doutrinário feito neste estudo, pode-se afirmar que há certo consenso no sentido de que o federalismo diz respeito a um tipo de organização do Estado em que seus componentes possuem capacidade de participar na formação das decisões do ente central, conforme os critérios definidos na Constituição.


Parte-se, portanto, da premissa que o federalismo indica uma forma de Estado e não de governo, e surge, essencialmente, da conjugação de vários centros dotados de poder político-jurídico que possuem autonomia e participação igualitária no exercício do poder estatal.


No Brasil, o nascimento da organização do Estado remonta à divisão territorial em capitanias hereditárias em que se estabelecia uma espécie de relação contratual entre o donatário e a Coroa Portuguesa, definindo direitos e deveres entre ambos, com o único fim de explorar e preservar a posse de tais territórios. Dada a ineficiência financeira deste modelo, a Coroa centralizou a administração e esta formação se manteve até o fim do governo imperial.


Com a Proclamação da República e promulgação da Constituição de 1891, o Brasil adotou o modelo norte-americano de federalismo com acentuada descentralização. Todavia, ao contrário do que ocorreu na América, foi o governo central que cedeu parcela de suas competências dando origem aos estados-membros.


Não bastasse esta peculiaridade, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988(CRFB/88) consagrou o município como entidade federativa indispensável ao sistema constitucional brasileiro, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se nota da análise dos artigos 1º, 18, 29, 30 e 34, VII,“c”, todos da CRFB/88. Percebe-se que foi conferida autonomia aos municípios da mesma forma que a dos estados-membros. Ou seja, os municípios adquiriram capacidade de auto-organização e normatização própria, autogoverno e auto-administração, conforme leciona MORAES (2012, p. 696 e 713).


Sem embargo da preservação da autonomia de todos os componentes federativos, o federalismo brasileiro instituído pela CRFB/88 não possibilitou que os municípios tomassem parte no processo central de legislação, visto que não há representantes diretos destes entes nas duas Casas que compõe o Congresso Nacional.


Em que pese o federalismo norte-americano tenha sido o grande inspirador do federalismo brasileiro, nosso modelo apresenta distorções estruturais, pois aqui foi o Estado unitário que se fragmentou num movimento de dentro para fora, e há um contraste profundo entre a simétrica organização municipal brasileira, irredutivelmente dual, e a pluralidade organizatória da estrutura local norte-americana (HORTA, 1995, p. 635).


Nesta conjuntura, a Constituição Federal de 1988 nominou os municípios como entes federados e transferiu às esferas locais de governo responsabilidades para execução de diversas políticas públicas. No entanto, de forma paradoxal, não deu aos entes municipais a mesma participação que os demais componentes no processo de construção da vontade soberana da Federação.


Extrai-se da Constituição Federal vigente que o Congresso Nacional é órgão responsável pela elaboração da legislação que vigorará em todo o território nacional e é constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.


O art. 45 da CRFB aduz que “a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal”. E o §1º deste mesmo dispositivo complementa que “o número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados”. Por sua vez, o art. 46 da CRFB/88 assinala que o Senado “compõe­-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal”, sendo certo que “cada Estado e o Distrito Federal elegerão três Senadores” (§ 1º do art. 46).


O texto constitucional regula de forma categórica que o Senado se compõe de representantes dos estados-membros e do Distrito Federal (DF). Quanto à composição da Câmara, estabeleceu-se que é constituída de representantes do povo. Ainda que o povo sejam todos os indivíduos, considerados nacionalmente, não há como negar que também há distorção da representação das unidades federadas na Câmara dos Deputados, na medida que o §1º do art. 45 da CRFB/88 aduz que a composição da Casa do Povo deve ocorrer de forma proporcional à população dos estados e do DF.


É dizer que, a despeito da Constituição ter assinalado que a Câmara representa o povo, ao designar que o critério de distribuição das cadeiras na Câmara é a população dos estados-membros e do DF, franqueia-se a concepção de que os deputados federais, assim como os senadores, também representam os estados-membros.


Em verdade é exatamente isso que se verifica na prática, pois ao referenciar algum deputado, o procedimento comum é indicar a sigla partidária ao qual ele pertence e o estado pelo qual ele foi eleito, sem qualquer menção ao município.


Além de que, o fato da CRFB trazer a previsão de que a Câmara espelha a vontade da população em geral não afasta a deformidade da representação dos componentes federados, pois, mesmo que se considere que a representação desses entes esteja em pé de igualdade naquela Casa Legislativa, a manutenção do Senado, enquanto representante exclusivo dos estados-membros e do DF resulta, invariavelmente, num ambiente institucional pendular.


O aspecto que talvez retrate de maneira mais fidedigna a assimetria da representatividade do pacto federativo nacional é quantidade considerável de emendas constitucionais que interferiram na autonomia financeira dos municípios. A guisa de exemplo, cita-se as Emendas 29/2000, 31/2000, 37/2002, 39/2002, 42/2003 e a 3/1993, cujo teor impactou o nível de formação das receitas próprias municipais. As alterações efetuadas no texto constitucional a respeito dos tributos municipais consistiram, em boa parte dos casos, na limitação de sua arrecadação, ao definir, por exemplo, as alíquotas mínimas e máximas no caso do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN (Pacheco, M. J. J., Abrantes, L. A., Zuccolotto, R., & Luquini, R. de A, 2017).


É patente que a ausência de participação municipal no processo de construção da vontade soberana feita pelo Congresso Nacional esvazia o papel dos municípios na estrutura federativa. Realçando o argumento, cita-se, ainda, a circunstância de que muitos municípios brasileiros são reféns das emendas dos parlamentares que compõe o Congresso Nacional para execução das políticas públicas locais.


Tal desequilíbrio resulta em um exótico sistema federativo tridimensional e ocasiona diversos questionamentos quanto à qualidade do município enquanto ente federado. Muitos autores, entre eles AFONSO DA SILVA (1994, p. 346), levantam objeções quanto à consideração do município como ente federado, argumentando que os municípios não possuem representação no Senado Federal e que tais entes não podem sofrer intervenção federal, a título exemplificativo.

Castro é ainda mais crítico quando relata que:


Os municípios não fazem parte da Federação, por poderem ser extintos ou criados por deliberação das assembleias legislativas, obedecidos os dispositivos constitucionais, por não terem representação no Senado Federal, não poderem propor emendas à CF, ou ainda não possuírem Poder Judiciário (Castro, 2005).

 

Sendo por natureza a federação um pacto entre entes que guardam autonomia entre si, as relações que se estabelecem devem preservar, sempre que possível, este acordo geral. Em essência, um arranjo federal é uma parceria, estabelecida e regulada por um pacto, cujas conexões internas refletem um tipo especial de divisão de poder entre os parceiros, baseada no reconhecimento mútuo da integridade de cada um e no esforço de favorecer uma unidade especial entre eles (Elazar, 1987 apud Abrucio, 2005).


Ainda em reflexão sobre a coordenação federativa no Brasil, o ABRUCIO afirma que:


Para garantir a coordenação entre os níveis de governo, as federações devem, primeiramente, equilibrar as formas de cooperação e competição existentes, levando em conta que o federalismo é intrinsecamente conflitivo”. E mais adiante ele lembra: Não se pode esquecer, (...) que o modelo cooperativo contribui para elevar a esperança quanto à simetria entre os entes territoriais, fator fundamental para o equilíbrio de uma federação. No entanto, fórmulas cooperativas mal dosadas trazem problemas. Isso corre quando a cooperação confunde-se com a verticalização, resultando mais em subordinação do que em parceria, como muitas vezes aconteceu na realidade latino-americana, de forte tradição centralizadora (2005, p. 44).

 

Impede registrar que não se busca por meio deste artigo considerar a participação política como critério inexorável de um dado ente federado, mas tão somente demonstrar que tal distorção estrutural do arranjo federativo brasileiro resulta em desigualdade entre os componentes da federação e reflete diretamente no desenvolvimento econômico e social dos municípios.


Nessa perspectiva, infere-se que a mera existência do município, mesmo que respaldada pela CRFB/88, não lhe garantiu a representatividade política no pacto federativo. É nesse sentido que o cenário federativo deve ser compreendido: os governos municipais, para além de ter acumulado diversas responsabilidades com a Constituição de 1988, ficaram sem representatividade no processo legislativo nacional que é o principal instrumento pelo qual se concretizam as políticas públicas.


Em sendo assim, a harmonização do arranjo federativo brasileiro exige, necessariamente, compreender os municípios como de fato agentes protagonistas do desenvolvimento do país, e em pé de igualdade com estados, Distrito Federal e União.

 

3. METODOLOGIA

 

Utilizou-se o método de abordagem dedutivo para o desenvolvimento do estudo, cujo objetivo foi avaliar o impacto do federalismo brasileiro no papel político do município enquanto ente federado.


O desenvolvimento da pesquisa foi pautado no estudo de livros, teses, artigos científicos, revistas jurídicas, legislações, dentre outras fontes que versam sobre o assunto retratado, logo, o método de procedimento foi o bibliográfico. E as interpretações foram de ordem sistemática e literal, em que se efetivou uma leitura interpretativa dos materiais selecionados e fichamentos como métodos complementares de pesquisa.

 

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

 

A partir da discussão apresentada neste estudo chegou-se ao resultado que o Município assumiu condição especial como ente federativo com a Constituição de 1988, no entanto, não foi lhe dado poder político propício à efetivação das suas responsabilidades.


Deste vício de formação do pacto federativo brasileiro decorre a conclusão de que os municípios perdem oportunidades de participar, na mesma proporção, dos debates e soluções nacionais, o que inviabiliza ou pelo menos dificulta o cumprimento das atribuições municipais, o que, por óbvio, reflete no desenvolvimento do país.


Esclarece-se que não se pretendeu questionar, nesta dissertação, a qualidade de ente federado do município e tampouco se desconhece que não há forma federativa ideal, dado que esta depende do momento histórico de cada Estado.


Objetivou-se apenas destacar a necessidade de proporcionar condições para que cada ente federado, a seu modo, concretize os direitos sociais fundamentais, mas, indo além disso, para que todas as entidades federativas alcancem esse objetivo da forma mais equânime possível, pois enquanto houver tão grave desequilíbrio na própria forma que o Estado se organiza o país está fadado a conviver em uma sociedade injusta e desigual, pois, se por um lado, a efetivação de direitos sociais implica em igualdade fática, por outro lado, a igualdade só se efetiva quando se tem, além da isonomia entre os cidadãos de determinada localidade ou região, também a isonomia entre os membros da comunidade política como um todo (DA COSTA, 2013).

 

5. CONCLUSÃO

 

Revelou-se nesta dissertação que a falta de participação dos municípios na composição do poder político nacional põe em xeque o pacto federativo, uma vez que, embora este ente seja peça estrutural do regime federativo brasileiro, à semelhança da União, do DF e dos estados, não houve paridade de tratamento político, o que acaba por repercutir no peso da formação histórico-político-social do próprio Estado brasileiro.


Destarte, a possibilidade de que o pacto federativo seja mantido com políticas públicas mais eficientes depende de que sejam logrados avanços quanto à participação política dos municípios no Congresso Nacional.


A alternativa mais tangível que surge aos municípios, já levantadas por alguns doutrinadores, é o fortalecimento dos mecanismos de chamada participação popular no processo legislativo nacional. Identifica-se no art. 14 da CRFB/88 os institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular como meios de democracia participativa.


Não há dúvidas que estes instrumentos permitem a participação maciça da comunidade local, contudo, tal como se encontra o texto constitucional vigente, não se vislumbra que os munícipes possam ser, efetivamente, parte importante e fundamental da vontade política nacional. Outra hipótese que já foi avaliada em trabalhos acadêmicos é que o critério de composição das cadeiras da Câmara dos Deputados ocorra por meio de identificação de uma área territorial, composta por um conjunto de municípios, capaz de articular ações federativas conjuntas.


Todavia, ao que parece, possibilitar a plenitude do status político do município somente poderá ser feito por meio de uma profunda reforma constitucional quanto aos aspectos do pacto federativo, ou até mesmo a elaboração de uma nova Constituição o que, na vigência do regime democrático, não parece estar no horizonte político brasileiro.


Nada obstante isso, como sugestão para trabalhos futuros, poder-se-ia pensar na criação de uma comissão parlamentar, permanente e mista, representativa dos municípios no Congresso Nacional.


Independentemente do método, cumpre destacar que resolver problemas decorrentes do pacto federativo é necessário um trabalho educacional e transformador, mostrando ao cidadão a necessidade de sua participação não somente no processo legislativo, mas principalmente na fiscalização da execução das políticas públicas.


São essas, portanto, as questões sobre as quais pretende-se empreender algumas breves reflexões, sem ter a pretensão, evidentemente, de encontrar respostas taxativas, dadas as inexoráveis implicações sociais, políticas e jurídicas que tais questões acarretam, e considerando, por óbvio, a brevidade e o limitado alcance deste estudo.

 

6. REFERÊNCIAS


ABRUCIO, F. L. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período FHC e os desafios do governo Lula. Revista de Sociologia Política, Curitiba, n. 24, p. 41-67, 2005. Dossiê Federalismo.

 

ARRETCHE, Marta. Continuidades e Descontinuidades na Federação Brasileira: decomo1988facilitou1995. DADOS. Revista de Ciências Sociais, vol. 52,n. 2, p.377-423.

 

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 1994.

 

BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10ª Edição. São Paulo: Malheiros, 1995

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm> acesso em: 14/06/2023.

 

CASTRO, José Nilo de. Direito Municipal Positivo. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001

 

DA COSTA, Luís Alberto.Da autonomia à participação: breves reflexões sobre o federalismo brasileiro na perspectiva do constitucionalismo social dirigente. Fortaleza, v., 2013.Disponível em <https://repositorio.ufc.br/ bitstream/riufc/11821/1/2013_art_lacosta.pdf >Acesso em 16/06/2023.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

HORTA, Raul Machado. Estudo de direito constitucional. Belo Horizonte: Ed. Livraria Del Rey, 1995, p. 635.

 

LIJPHART,Arend. Modelos de democracia: desempenho e padrões de governo em 36 países. 2ªed.Rio deJaneiro:Civilização Brasileira,2008.

 

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28 ed., São Paulo: Atlas, 2012.

 

PACHECO, M. J. J., ABRANTES, L. A., ZUCCOLOTTO, R., & LUQUINI, R. DE A. (2017). Emendas Constitucionais e Descentralização Fiscal: Evolução e Interferências na Autonomia Financeira dos Municípios. Desenvolvimento em Questão. Disponível em. <https://doi.org/10.21527/2237-6453.2018.42.180-208>acesso em 16/06/2023.

 

PROUDHON, Pierre-Joseph. Do princípio federativo. Trad. Francisco Trindade. São Paulo: Imaginário, 2001.

 

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 8. ed. São Paulo: Malheiros editores, 1994

 

SOUZA, C. (2008). Federalismo: teorias e conceitos revisitados. BIB - Revista Brasileira De Informação Bibliográfica Em Ciências Sociais, (65), 27–48. Disponível em < https://bibanpocs.emnuvens.com.br/revista/article/view/311> acesso em 13/06/2023.

 

 

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