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Maristela Palmeira de Barros Souza

A INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS ELETRÔNICOS, NO DIREITO BRASILEIRO

THE INCIDENCE OF THE PRINCIPLE OF OBJECTIVE GOOD FAITH IN ELECTRONIC BUSINESS CONTRACTS IN BRAZILIAN LAW


 

Informações Básicas

  • Revista Qualyacademics

  • ISSN: 2965-9760

  • Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).

  • Recebido em: 24/05/2024

  • Aceito em: 25/05/2024

  • Revisado em: 29/05/2024

  • Processado em: 31/05/2024

  • Publicado em 04/06/2024

  • Categoria: Estudo de revisão


 




Como referenciar esse artigo Souza (2024):


SOUZA, Maristela Palmeira de Barros. A incidência do princípio da boa-fé objetiva nos contratos empresariais eletrônicos, no direito brasileiro. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 211-227. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.015



Autora:


Maristela Palmeira de Barros Souza

Advogada, pós-graduada, pela: Escola de Magistrados da Bahia – EMAB – Universidade Federal da Bahia – UFBA, Pós em Direito e Magistratura. Pós-Graduada, pela: Universidade Salvador – UNIFACS – Especialização em Direito Contratual Cível e Consumerista. Graduada em Direito, pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL. Contato: maristelabarros.juridico@gmail.com.




RESUMO


O presente estudo visa analisar a aplicação do princípio da boa-fé objetiva nos contratos empresariais eletrônicos dentro do contexto jurídico brasileiro, destacando a importância deste princípio para assegurar relações contratuais justas e equilibradas no ambiente digital. A pesquisa se justifica pela crescente relevância dos contratos eletrônicos na economia globalizada e a necessidade de estabelecer normas que garantam a ética e a confiança nas transações comerciais. A metodologia adotada foi uma revisão bibliográfica, explorando doutrinas, legislações e artigos que tratam da boa-fé objetiva e sua aplicação nos contratos empresariais. A revisão histórica mostrou que o conceito de boa-fé remonta ao Direito Romano, onde a fides era essencial nas relações jurídicas. No contexto brasileiro, a boa-fé objetiva foi incorporada ao Código Civil de 2002, consolidando-se como um princípio fundamental que regula a interpretação, integração e controle das relações contratuais. Os resultados indicam que a aplicação da boa-fé objetiva nos contratos eletrônicos é crucial para prevenir abusos e promover a transparência e a lealdade entre as partes envolvidas. A análise revela que a boa-fé objetiva deve ser entendida como um guia ético que transcende a simples literalidade dos contratos, impondo deveres adicionais de comportamento honesto e cooperativo. Conclui-se que, para a efetiva aplicação da boa-fé objetiva nos contratos empresariais eletrônicos, é necessário que os agentes econômicos e os operadores do direito estejam atentos às especificidades das transações digitais, garantindo assim um ambiente de negócios mais seguro e confiável. A pesquisa reforça a importância de capacitar profissionais e empresas na compreensão e aplicação deste princípio, promovendo um desenvolvimento econômico sustentável e ético no cenário jurídico brasileiro.

 

Palavras-chave: Boa-Fé Objetiva; Funções; Contexto Histórico; Contratos Eletrônicos.


ABSTRACT

 

The present study aims to analyze the application of the principle of objective good faith in electronic business contracts within the Brazilian legal context, highlighting the importance of this principle in ensuring fair and balanced contractual relations in the digital environment. The research is justified by the growing relevance of electronic contracts in the globalized economy and the need to establish norms that guarantee ethics and trust in commercial transactions. The methodology adopted was a literature review, exploring doctrines, legislation, and articles that address objective good faith and its application in business contracts. The historical review showed that the concept of good faith dates back to Roman Law, where fides was essential in legal relationships. In the Brazilian context, objective good faith was incorporated into the 2002 Civil Code, becoming a fundamental principle that regulates the interpretation, integration, and control of contractual relations. The results indicate that the application of objective good faith in electronic contracts is crucial to prevent abuses and promote transparency and loyalty among the involved parties. The analysis reveals that objective good faith should be understood as an ethical guide that transcends the simple literalness of contracts, imposing additional duties of honest and cooperative behavior. It concludes that, for the effective application of objective good faith in electronic business contracts, economic agents and legal operators must be attentive to the specificities of digital transactions, thereby ensuring a safer and more reliable business environment. The research reinforces the importance of training professionals and companies in understanding and applying this principle, promoting sustainable and ethical economic development in the Brazilian legal scenario.

 

Keywords: Objective Good Faith; Functions; Historical Context; Electronic Contracts.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo cuida da incidência do princípio da boa-fé objetiva, nos contratos empresariais eletrônicos, com fulcro no ordenamento jurídico brasileiro. A problemática foi conduzida sob o seguinte aspecto: Por que a cláusula aberta das relações negociais, qual seja boa-fé objetiva, cujas funções são interpretação, integração e controle das relações negociais, deve nortear, também, as contratações feitas pelos agentes econômicos? Por conseguinte, a hipótese de averiguação científica do problema reside no fato das relações hodiernas não mais se assentarem sob o manto da ampla ou quase irrestrita liberdade negocial, devendo as tais serem abalizadas na boa-fé objetiva.


Tem-se que a opção pelo respectivo tema se justifica pela relevância social que traduz, haja vista que os negociadores empresariais não prescindem de sua veemência. O trabalho propõe a análise da aplicação do instituto jurídico da boa-fé objetiva aos contratos empresariais eletrônicos, começando pelo exame da boa-fé objetiva e de suas funções, perpassando por um breve escorço histórico, em Roma e incidência do princípio nos contratos empresariais, além de esboçar sobre contratos eletrônicos, culminando, por fim, na forçosa incidência do princípio, nos contratos celebrados pelos empresários, por intermédio do meio eletrônico.


Nesse contexto, o objetivo geral desse estudo se perfaz no desenho da importância da boa-fé objetiva. O objetivo específico é remeter a aplicação do princípio aos contratos empresariais digitais: demarcar o seu nascedouro como fides romana; esboçar os contornos de aplicação da boa-fé objetiva nos contratos empresariais eletrônicos. A metodologia utilizada consiste nas pesquisas e reflexões extraídas de distintas referências, tais como: doutrina, legislação e artigos, para concluir, enfim, sem pretensão de exaurimento.

 

2. A BOA-FÉ OBJETIVA E SUAS FUNÇÕES

 

Frisa-se, nessa cadência, que a existência do “instituto jurídico” da boa-fé objetiva, detém alta estima nas relações negociais, sejam elas obrigacionais ou contratuais. Ressalta-se, nesse passo, a imprescindibilidade das funções da boa-fé objetiva às negociações, em razão da impossibilidade de se discorrer sobre contratos, com fulcro somente na letra fria da lei, sem apreender os ditames da sociedade e da economia. Assevera o docente Adalberto Pasqualotto que a boa-fé objetiva deixou de ser apenas um princípio, para se tornar um arquétipo direcionado aos contratantes, passando a emanar, desde então, uma dupla função, isto é, ativa e reativa. Afiança o mestre Clovis do Couto e Silva que a boa-fé “endereça-se a todos os partícipes do vínculo e pode, inclusive, criar deveres para o credor, o qual tradicionalmente era apenas considerado titular de direitos”. A boa-fé objetiva, portanto, é um parâmetro que não pode ser posto à margem, pois que determina a finalidade social do negócio jurídico, por intermédio de suas funções.


Por cabível, cita-se Carlos Eduardo Iglesias Diniz5, o qual, por meio de um estilo didático, revela as ditas funções da boa-fé objetiva, retirando-as de três artigos, do Novo Código Civil Brasileiro:


Tem-se atribuído à boa-fé objetiva uma tríplice função no sistema jurídico. A primeira diz respeito a sua função de cânone interpretativo dos negócios jurídicos; em seguida está a função de fonte normativa de deveres jurídicos, que podem até mesmo pré-existir à conclusão do contrato, bem como sobreviver à sua extinção e, por fim, a função restritiva do exercício de direitos, ou seja, de fonte normativa de restrições ao exercício de posições jurídicas. Essas três funções estão bem delineadas respectivamente nos artigos 113, 422 e 187, todos do Código Civil.

Tais artigos do Código Civilista6 comandam:


art. 113. os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
art. 422. os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Diniz determina que a função hermenêutico-interpretativa arrazoa sobre a exigência da interpretação, das cláusulas contratuais, sob o manto da lealdade e honestidade. Doutra sorte, se demarca a “função de fonte para criação (supplendi) de deveres anexos à prestação principal”.8 As partes arrestam, além, das obrigações expressamente previstas, em negociação, os chamados deveres anexos, que segundo Leonardo de Medeiros Garcia9, não são taxativos, podendo ser exemplificados, como: “deveres de informação, conselho, cooperação, de segredo, não concorrência, de lealdade”. A terceira função, para Diniz10, se refere ao abuso de direito. Assim, significa dizer que o artigo “veda comportamentos que, muito embora sejam admitidos por lei ou pelo contrato, possam colidir com o conteúdo da cláusula geral”. Pelo que defende a confiança mútua, a ser obrigatoriamente impingida em todas as relações negociais.

 

3. BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA BOA-FÉ OBJETIVA, NO DIREITO ROMANO

 

Cunha-se que a fides, alocada no Direito romano, é a antecessora da boa-fé objetiva. A palavra fides se alude à ideia de “confiança, colaboração, auxílio mútuo, respeito à palavra dada”. O seu contexto histórico remonta ao período romanístico, registrado na Lei das XII Tábuas. Judith Martins-Costa12 registra que a lei previa que o patrono deveria agir sem fraude em relação ao seu cliente, conforme se pauta abaixo:


TÁBUA VII – Dos Delitos e das Penas Se um patrono causa dano a seu cliente, que seja declarado sacer (sagrado). (Pode ser morto como vítima – hostia – devotada aos deuses infernais).

 

Constata-se que, nessa lei, há evidência das “primeiras manifestações jurídicas reguladoras da relação creditícia, em Roma”. Isso adveio da incerteza do direito e do arbítrio dos magistrados patrícios. No entanto, a mesma autora, redargui que, do historiador Dionísio de Halicarnasso, decorre o pensamento de que a fides “estaria ligada à própria fundação de Roma, equivalendo-se dizer que é tão antiga quanto à instituição da clientela, embora aí esteja registrada pelo seu valor antinômico – fraus, e não fides”.


O professor Clovis do Couto e Silva ensina que a boa-fé calhava, no direito romano, desde a celebração do negócio jurídico. A fides, também, era percebida como um total comprometimento com a palavra empenhada, traduzindo "lealdade à palavra dada". Passando a assumir um significado mais aprofundado, de: "investir confiança na honestidade, ou confiar que a palavra dada seja honrada e as obrigações assumidas sejam cumpridas." Assim, se viu, em Roma, mediante a justiça social, o empenho para resolução das querelas.

 

4. A BOA-FÉ OBJETIVA NO DIREITO BRASILEIRO

 

A boa-fé, no Direito brasileiro, é apreendida como um conteúdo que emana, sobretudo, da jurisprudência. De modo que, "o estudo do litígio concreto, a comparação de casos similares, a sua dogmatização e a sistematização formam a base essencial duma investigação sobre a boa-fé." Isso se dá apesar muito embora exista normatização de sua incidência. No entanto, não obstante, tem sido interpretada, ora, com conteúdo subjetivo, ora, objetivo, ocasionando confusão com os termos. Com efeito, a expressão boa-fé ainda é incerta, ocorrendo, por vezes, "fuga para imagens", a fim de tentar conceituá-la, se admitindo o seu termo como justiça, equidade, equilíbrio, lealdade, ou até mesmo como, sinônimo de ética e moral. Há, no Direito interno, alguns julgados que relacionam a boa-fé aos aspectos negociais, estando a aplicação em ascendência, uma vez que se impera, na atualidade, o Estado Democrático de Direito, com extensas previsões de direitos fundamentais.


Tendo, dessa maneira, a boa-fé, um "lugar na criação e adaptação do Direito, ficando assegurada pelas necessidades dogmáticas", ainda carecedoras de maiores contornos de seu significado. Antes do advento do Novo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que vigorou em 2003, a boa-fé possuía um tímido uso, refletindo, tão somente, o seu aspecto subjetivo, ao ser aplicada como opção de interpretação de ambiguidades, ou como meio de averiguação do erro ou ignorância. Adalberto Pasqualotto entende que a boa-fé subjetiva, ou boa-fé crença, “corresponde a uma noção de erro, visto que implica em uma percepção equivocada da realidade”. O Código Civil, de 2002, por outro lado, demonstrou princípios basilares, dentre os quais se pode destacar a eticidade, dando azo, assim, à preceituação da boa-fé objetiva. O princípio da eticidade, conforme Divanir Marcelo de Pieri, determina que o ordenamento jurídico deve estar pautado na ética. As linhas mestras de António Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro coadunam que o princípio da boa-fé objetiva é de fundamental importância relações privadas. Isso decorre do soerguimento realizado pelo princípio basilar da eticidade.


A boa-fé objetiva, de acordo com o ilustre professor Miguel Reale26, se trata de uma condição, sem a qual não há “realização da justiça, ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional e negocial”. Devendo a sua aplicação ser ponderada em todo o contexto, pelo próprio aplicador do direito.

 

5. BOA-FÉ OBJETIVA NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

 

A interferência do Estado nas relações entre empresários é algo patenteado pelo próprio entendimento de Estado Democrático de Direito, reconhecido pela Constituição da República Federativa do Brasil, de 1.988. Logo, se apreende que se vive, em verdade, um estado de bem-estar social, em que pese o sistema econômico capitalista adotado. Mas, como sopesar as regras do capitalismo com os preceitos de bem estar coletivo? Isso é respondido pelo simples fato de que não vivemos, tão somente, um capitalismo. A livre iniciativa é abalizada pelas regras sociais, as quais pré-determinam que as empresas, apesar de obterem o livre arbítrio para o exercício do comércio, devem observar o quanto se diz sobre a função social e boa-fé. Enumera-se que o artigo 1º, da Constituição Federal de 1.988 trata do reconhecimento das bases do Estado Democrático de Direito, por intermédio dos chamados de princípios estruturantes, os quais definem as bases políticas atuais:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

 

Sobre a dignidade da pessoa humana se apreende que tal é ínsita à condição de ser humano, significando que o Estado ajuda os indivíduos a se formarem, a se encontrarem, por intermédio da promoção desse princípio, que se reveste de verdadeira meta de qualquer Estado Democrático de Direito. Percebe-se o lastro dos valores sociais do trabalho patentes no entendimento de que o "trabalho não é mero fator de produção, devendo ser encarado como instrumento para realização moral, material e espiritual do trabalhador”. Em relação à livre iniciativa, se absorve o ideal de que os direitos dos cidadãos e trabalhadores precisam ser respeitados, mesmo diante da exigência do desenvolvimento econômico nacional, visto que esse jamais poderá se afastar do estabelecimento da dignidade da pessoa humana.


6. CONTRATOS ELETRÔNICOS

 

Os contratos eletrônicos são os mesmos contratos tradicionais, com a inclusão de algumas características peculiares ao movimento na rede. Cabe, nesse ponto, redigir acerca do que vem a ser certificação digital, a qual consiste em “tecnologia que provê a autenticidade, confidencialidade e integridade às informações eletrônicas. De modo a fornecer troca de mensagens, documentos entre cidadãos, governo e empresas.” Entende-se que o certificado digital nada mais é que uma assinatura digital que possui validade no ordenamento jurídico, proporcionando “proteção às transações eletrônicas, além de permitir que pessoas e empresas se identifiquem e assinem digitalmente de qualquer lugar do mundo, com mais segurança e agilidade.” Logo, se trata de um “documento eletrônico que contém o nome, um número público exclusivo denominado chave pública, a qual serve para validar uma assinatura realizada em documentos eletrônicos”.


Em relação à previsão das contratações eletrônicas, tem-se no Projeto do Novo Código Comercial a devida pertinência, seguindo-se os artigos:


Art. 109. O empresário está sujeito, no comércio eletrônico, às mesmas obrigações impostas por lei relativamente ao exercício de sua atividade no estabelecimento empresarial, salvo expressa previsão legal em contrário.
Art. 110. O sítio de empresário acessível pela rede mundial de computadores deve conter, em página própria, a política de privacidade.
Art. 138. Desde que certificadas as assinaturas no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas brasileira (ICP-Brasil), os atos societários não podem ter a existência, validade, eficácia e registrabilidade negadas só pela circunstância de terem sido elaborados e mantidos em meio eletrônico.

 

Ultima-se a patente evolução do mundo contemporâneo, a qual incide veementemente nas relações contratuais empresariais. Pelo que, devem os agentes econômicos se amoldar aos pareceres da globalização, a fim de acompanharem a tendência recente do mercado.

 

7. BOA-FÉ OBJETIVA APLICADA AOS CONTRATOS EMPRESARIAIS ELETRÔNICOS

 

A boa-fé é uma norteadora de apanhado totalmente ético, sendo o fiel da balança das relações empresariais, possuindo, portanto, natureza cogente. Sabe-se que os princípios contratuais se revestem de magnitude, devido à socialização das interações privadas, remontando à nova compreensão do contrato, tendo característica de orientadores da criação, manutenção e extinção dos contratos.


A Constituição Federal, de 1.988, acarretou em inúmeras quebras de paradigmas, ao tratar as relações privadas, com a inclusão de alguns ares públicos, devido à adoção de um Estado de bem-estar. O Código Civilista, de 2.002, em seu artigo 421, coadunando com essa ideia, bem destaca que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. O artigo 422, do suprarreferido Código, prediz a obrigatória aplicação da boa-fé, em distintas fases do contrato: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. ” Já o artigo 2.035, redargui, em seu parágrafo único, que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública.”


Desse jeito, é que a boa-fé objetiva, orienta não só em relação aos assuntos vinculados ao Direito civil, como também, mantém colóquio com outros ramos da Ciência Jurídica, tais como o Direito empresarial e o Direito do consumidor. Por esse motivo, a maneira de inseri-la nas contratações se dá em formatos um tanto diferenciados, em vista da sua longa abrangência. Não é outro o entrosamento retirado das ideias de Mansur Oliveira:


Afirma-se, assim, que a boa-fé objetiva assumiria diferentes feições, a depender do espaço jurídico no qual atua. Essa variabilidade da eficácia só pode ser bem compreendida se estudada à luz dos pressupostos que a justificam, no âmbito da moderna teoria do direito.

Em relação aos contratos empresariais se sobressalta a definição quanto aduzida pelo aludido autor:


São contratos empresariais aqueles travados entre sujeitos que ostentam o status de empresários e voltados para a realização das atividades empresariais desenvolvidas por ambos. Tal categoria de contratos nada tem de nova em nosso ordenamento jurídico, havendo sido disciplinada nos artigos 121 e seguintes, hoje revogados, do Código Comercial.

Reporta-se, por oportuno, que uma das características marcantes nesses tipos contratuais é a obtenção de vantagens patrimoniais, tendo em vista que se trata da “finalidade econômica pelos empresários desenvolvida”. O risco empresarial é inerente à atividade desempenhada, no entanto, não pode ultrapassar o limite do aceitável para a coletividade. Frisa-se, nesse ínterim, de acordo com Andreza Baggio, que apesar dos princípios contratuais serem atribuídos, igualmente, aos contratos empresariais, há de se cultivar o entendimento de que esses detêm peculiaridades, em vista da celeridade a que se propõem para o correto atendimento do comércio, “já que seria secular da tradição do Direito Comercial a sua característica de dinamismo e agilidade em detrimento das relações de Direito Civil”.

 

A conclusão que se impera é de que o Direito empresarial se trata de ramo autônomo, não podendo ser confundido com o Direito civil. Assim, é dono de regras próprias contidas no Código Civil e nas leis extravagantes que lhes são afins, como o Direito Marítimo, o Direito Falimentar, o Direito Cambiário, dentre outros. Dito isso, cumpre-se concluir, sem pretensão de exaurimento, com o coerente emprego do princípio da boa-fé objetiva aos contratos empresariais eletrônicos. À guisa de exemplo, no julgamento do Recurso Especial, o Ministro Relator, Paulo de Tarso, compreendeu que as partes necessitam guardar a lisura na relação perpetrada, não podendo exprimir comportamento contraditório, ferindo, assim, o consubstanciado pela cláusula geral da boa-fé objetiva. Pelo desvendado, se percebeu que as partes não podem dar causa a uma argumentação de exercício de um direito, que lhe seja contraditório, em relação à postura anteriormente adotada.

 

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADEDE TÍTULO DE CRÉDITO. NOTA PROMISSÓRIA.
ASSINATURA ESCANEADA. DESCABIMENTO. INVOCAÇÃO DO VÍCIO POR QUEM O DEU CAUSA. OFENSA AOPRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. APLICAÇÃO DA TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOSSINTETIZADA NOS BROCARDOS LATINOS 'TU QUOQUE' E
'VENIRE CONTRAFACTUM PROPRIUM'. 1. A assinatura de próprio punho do emitente é requisito de existência e validade de nota promissória. 2. Possibilidade de criação, mediante lei, de outras formas de assinatura, conforme ressalva do Brasil à Lei Uniforme de Genébra. 3. Inexistência de lei dispondo sobre a validade da assinatura escaneada no Direito brasileiro. 4. Caso concreto, porém, em que a assinatura irregular escaneada foi aposta pelo próprio emitente.
5. Vício que não pode ser invocado por quem lhe deu causa. 6. Aplicação da 'teoria dos atos próprios', como concreção do princípio da boa-fé objetiva, sintetizada nos brocardos latinos 'tu quoque' e 'venire contra factum proprium', segundo a qual ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior ou posterior interpretada objetivamente, segundo a lei, os bons costumes e a boa-fé. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 8. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.

 

Destarte, se averigua que o Código Comercial revogado, Lei de n. 556, de 25 de junho de 1850, refletia os ares da época de sua concepção, ficando obsoleto nos dias contemporâneos, em virtude das muitas transformações ocorridas no contexto social, ao longo de todo período histórico. Atualmente, se fala em uma nova roupagem de Código para as relações empresárias, em vista a exigência dos próprios preceitos do ambiente a que se destina. Assim, “no ano de 2011, pelo deputado Vicente Cândido, surge o Projeto de Lei 1.572 que visa instituir o Código Comercial”. O projeto mencionado aduz sobre vários âmbitos tratados no presente estudo, dos quais se atinam os princípios contratuais, como função social do contrato e boa-fé objetiva, além de frisar sobre contratação por meio eletrônico. É o que se deflagra dos artigos abaixo colacionados:


Art. 271. Quando for prática do segmento de mercado a informalidade na constituição ou cumprimento de obrigações, os empresários devem observar a mais estrita boa fé.
Art. 289. O juiz poderá condenar o empresário ao pagamento de razoável indenização punitiva, como desestímulo ao descumprimento do dever de boa fé.
Art. 311. Os contratantes devem sempre agir com boa fé, na negociação, celebração e execução do contrato empresarial
Art. 312. O empresário está sujeito ao dever de estrita boa fé: I – quando celebra contrato de seguro; II – quando atua em segmento de mercado caracterizado pela informalidade na constituição ou execução de obrigações; e III – nas demais hipóteses da lei.
Art. 315. Em caso de descumprimento do dever de boa fé, o outro contratante terá direito à indenização por perdas e danos.
Art. 462. A letra de câmbio emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa fé antes da cobrança ou do protesto. 48

 

Há de se demarcar que as relações jurídicas acompanharam as mudanças tecnológicas, sendo os modelos tradicionais de contratos, em muitas negociações empresariais, substituídos pelos tipos digitais, ante a facilidade em que são operados. Os empresários avistaram na contratação  por  meio  eletrônico  uma forma  de  excelência  para  as  pactuações,  reunindo  a segurança, por meio do cadastramento, identificação digital, à agilidade que o mercado exige. Assim, as relações comerciais veem nas celebrações eletrônicas o meio apropriado de se produzir negócios, obtendo respostas muito mais eficazes. O Direito, por seu turno, acompanha os engendramentos sociais, sendo o método digital algo revolucionário criado, justamente, para o atendimento dos reclames da sociedade. Sendo assim, não poderia o Direito deixar de tutelar tais contratações.


Ora, o mundo se tornou globalizado, as relações se alargaram tanto em número, quanto em qualidade e exigência. A sociedade e a classe empresarial frisaram o seu querer em mais agilidade e segurança jurídica nas contratações, fatos ocasionaram a criação do Projeto mencionado, demonstrando um grande avanço em termos de pensamentos tecnológicos, não havendo precedentes em todo o ordenamento jurídico brasileiro. As contratações entre empresas e empresários, na atualidade, são, em sua maioria, feitas por modo eletrônico. As plataformas digitais possibilitam facilidades na hora de contratar, além de permitirem a segurança das assinaturas dos respectivos agentes.


Outrossim, a inclusão da boa-fé, função social do contrato e a regulamentação da pactuação empresarial eletrônica moldaram o extenso sombreamento que existia, fazendo com que as dúvidas fossem dirimidas. Impulsionando a sociedade ao avanço tanto tecnológico quanto humano.

 

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Percebe-se que a Carta Magna Brasileira atual adotou o regime capitalista, com fulcro na livre iniciativa. Todavia, tal regime precisa se lastrear no fim social, ante o modelo político de Estado Democrático e de Direito existente. Observa-se, nesse panorama, que a boa-fé objetiva é princípio basilar das relações contratuais. Isso porque, dela emana norma de comportamento socialmente aceito, não podendo ser rejeitada. Não havendo, portanto, o que se falar em variações do entendimento na aplicação de tal instituto, nas contratações feitas pelos agentes econômicos.


Assim, no que tange aos famigerados contratos eletrônicos, resta patente a demonstração de que esses são os mesmos arquétipos tradicionais, todavia, revestidos de regras da rede mundial de computadores. A globalização permitiu a aceleramento das contratações empresariais, principalmente ao acatar mais familiaridade nas relações, o que os beneficiou na busca da agilidade da obtenção de seus lucros. Conclui-se, desse modo, que a boa-fé é aplicada, também, aos contratos empresariais eletrônicos e isso se dá de uma forma robusta e corriqueira. Os tribunais cada vez mais compreendem que a ausência de averiguação de tal princípio, implica em quebra de cláusulas contratuais e, conseguintemente, em se tratando de contratos empresariais, em dano à sociedade, como um todo.


A posição neoliberal, adotada pela Carta Magna é temperada pelos princípios. De modo que, embora a empresa tenha por fim perseguir o lucro deve, ao mesmo tempo, estar focada na sociedade e no que melhor lhe convier. Tratando-se, assim, da sua função social. Imprescindíveis, portanto, essas lições, tendo em vista que a boa-fé forçosamente incide nessas contratações, ainda que sejam dotados de negociação ampla, que é a diferença existente entre contratos comuns e os empresariais. Assim, obtém-se que a cláusula aberta da boa-fé objetiva é uma obrigação cominada às partes celebrantes do negócio jurídico empresarial, com fulcro na sustentação da ética, honestidade na contratação. Essa conduta, relacionada à boa-fé, corresponde ao prescrito na Constituição da República Federativa do Brasil, ao se ordenar que as empresas devem atuar com base na função social. Impedindo, dessa forma, o retrocesso à irrestrita liberdade negocial, por qual período já se passou e se percebeu que o controle social é muito mais benéfico, tendo em vista que proporciona uma maior segurança nas relações e um real crescimento da economia.

 

9. REFERÊNCIAS

 

BAGGIO, Andreza Cristina. Princípios Contratuais e Contratos Empresariais: Uma Análise a Partir da Pretensa Unificação do Direito Privado Brasileiro. Revista Iusgentium, v.9, n.6, 2014, Edição Extra, p. 50-51. Disponível em: http://www.uninter.com/iusgentium/index.php/iusgentium/article/viewFile/147/121.

Acesso em: 20 fev. 2017.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

 

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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1192678 PR 2010/0083602-

0. Recorrente: ORIENTE FOMENTO COMERCIAL LTDA. Recorrido: CELSO SANTOS. Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, DJe 26/11/2012. Data de Julgamento: 13/11/2012, T3 - TERCEIRA TURMA. Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/noticias/100399456/principio-da-boa-fe-objetiva-e- consagrado-pelo-stj-em-todas-as-areas-do-direito. Acesso em 26 out 2016.

 

BERLINI, Luciana Fernandes. A Aplicabilidade da Nova Principiologia Contratual no Âmbito Constitucional-Civil. Monografia. (Curso de Graduação em Direito) – Faculdade Mineira de Direito, PUC Minas , Minas Gerais. Disponível em: http://www.fmd.pucminas.br/ Virtuajus/2_

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BITENCOURT, Thiago Wiggers. KLEIN, Vinícius. Boa-fé Objetiva e a Aplicação no Direito Empresarial. Disponível em: http://revista.unicuritiba.edu.br/index.php/percurso/article/viewFile

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publicação de artigo científico

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Como citar esse artigo:


SOUZA, Maristela Palmeira de Barros. A incidência do princípio da boa-fé objetiva nos contratos empresariais eletrônicos, no direito brasileiro. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 211-227. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.015



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