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Clovis Mattera Navarro

GARANTISMO CONSTITUCIONAL NA INVESTIGAÇÃO E A IMPORTÂNCIA DO CONTROLE JUDICIAL

CONSTITUTIONAL GUARANTISM IN INVESTIGATION AND THE IMPORTANCE OF JUDICIAL OVERSIGHT


 

Informações Básicas

  • Revista Qualyacademics

  • ISSN: 2965-9760

  • Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).

  • Recebido em: 23/05/2024

  • Aceito em: 24/05/2024

  • Revisado em: 29/05/2024

  • Processado em: 02/06/2024

  • Publicado em 05/06/2024

  • Categoria: Estudo de revisão


 




Como referenciar esse artigo Navarro (2024):


NAVARRO, Clovis Mattera. Garantismo constitucional na investigação e a importância do controle judicial. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 228-242. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.016



Autor:


Clovis Mattera Navarro

ORCID: 0009-0006-1638-4784. Graduando do curso de Direito do Unisalesiano – Lins/SP – contato: clovisnavarro57@gmail.com

 



RESUMO


O presente artigo científico tem como objetivo analisar a importância do garantismo constitucional na investigação criminal, destacando a relevância do controle judicial nesse processo, utilizando-se do método dedutivo, pesquisa bibliográfica e abordagem jurídico-sociológica. Justifica-se a necessidade deste estudo devido ao papel crucial que o garantismo desempenha na proteção dos direitos fundamentais dos investigados, prevenindo abusos e excessos por parte das autoridades investigativas. Além do método dedutivo optou-se por uma breve revisão de autores que abordam sobre o tema, estudos disponíveis que analisaram casos concretos e decisões judiciais que ilustram a aplicação prática dos princípios garantistas. Os principais resultados indicam que a atuação do controle judicial é essencial para assegurar que as investigações criminais sejam conduzidas de maneira justa e conforme os preceitos constitucionais, garantindo que a busca pela justiça não se sobreponha aos direitos individuais. O estudo destaca, ainda, a necessidade de medidas rigorosas para prevenir e punir eventuais desvios e abusos no processo investigativo, enfatizando a importância de um sistema judiciário vigilante e imparcial para a manutenção do estado de direito.

 

Palavras-chave: Garantismo Constitucional; Controle Judicial; Investigação Criminal.

 

ABSTRACT

 

The present scientific article aims to analyze the importance of constitutional guarantees in criminal investigations, highlighting the relevance of judicial oversight in this process, using the deductive method, bibliographic research, and a socio-legal approach. The necessity of this study is justified by the crucial role that guarantees play in protecting the fundamental rights of those under investigation, preventing abuses and excesses by investigative authorities. In addition to the deductive method, a brief review of authors addressing the topic, available studies that analyzed concrete cases, and judicial decisions illustrating the practical application of guaranteed principles was chosen. The main results indicate that judicial oversight is essential to ensure that criminal investigations are conducted fairly and in accordance with constitutional precepts, guaranteeing that the pursuit of justice does not override individual rights. The study also highlights the need for strict measures to prevent and punish any deviations and abuses in the investigative process, emphasizing the importance of a vigilant and impartial judicial system for maintaining the rule of law.

 

Keywords: Constitutional Guarantees; Judicial Oversight; Criminal Investigation.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo expõe de maneira breve, porém precisa, diversas situações que explicam por que a infiltração de agentes policiais em organizações criminosas e na internet é considerada uma medida de último recurso. A infiltração é utilizada somente em circunstâncias extremas devido aos riscos envolvidos e à necessidade de garantir que tais ações sejam realizadas em conformidade com os princípios legais e éticos. Essas situações exemplificam as complexidades e os perigos associados à infiltração, justificando a sua aplicação restrita e cuidadosa.

Num primeiro momento, expor-se-á a falar do garantismo constitucional e a importância do controle judicial, onde será explicado sobre a divergência de direitos fundamentais e o que ocorre quando esses direitos se chocam.


Posteriormente, seguindo essa linha de raciocínio, o artigo científico tratará da responsabilidade do agente infiltrado, uma vez que esse, no momento da infiltração, acaba cometendo alguns ados delitivos, e com isso, tal pesquisa se fez necessário, para apresentar algumas excludentes de responsabilidade penal, para elucidar tais questões sobre a prática dos atos delitivos no decorrer de uma operação de infiltração.


O artigo utilizará do método dedutivo, pesquisas bibliográficas e método jurídico-sociológico para apresentar responsabilidade do agente, e explicar como tal situação é abordada em situações de infiltração.

 

2. GARANTISMO CONSTITUCIONAL NA INVESTIGAÇÃO E A IMPORTANCIA DO CONTROLE JUDICIAL

 

Apesar de a infiltração de agentes policiais e organizações criminosas estão expressas em lei, estas, por sua vez, são regidas por algo que estão acima delas, a Constituição federal de 1988, que tem seu fundamento na dignidade da pessoa humana, tendo definido em seu núcleo rígido, vários direitos que acabam por limitar a atividade investigativa criminal. Tais direitos são conhecidos como os direitos fundamentais, que serve de base para a existência de um Estado Democrático de Direito, e também como um modo de proteção das relações entre o indivíduo e o Poder Público. No entanto, mesmo a Constituição não definindo qualquer prevalência de um direito fundamental sobre o outro, a jurisprudência então acaba por fazer essa prevalência de determinada garantia de cada caso.

           

Dessa forma, quando existem dois direitos conflitando entre si, excepcionalmente, busca-se restringir direitos individuais que não estão dotados de absolutos, em uma atividade investigatória. Nesta linha, pode-se ser observada a utilização de meios diferenciados e a obtenção de provas de crimes mais complexos, como é o caso da infiltração policial no âmbito virtual, como meio de obtenção de provas, uma vez que tal infiltração acaba por infringir vários direitos e garantias como a privacidade, e a intimidade, fazendo-se necessário a busca por um equilíbrio para adequada utilização do instituto do agente infiltrado (SILVA, CASTRO, 2016).


Além disso, em se tratando de um método invasivo de investigação, não basta a vontade dos órgãos de persecução para a utilização do instituto do agente infiltrado, é necessária ainda uma autorização judicial.


Neste sentido, Eduardo Araújo da Silva defende que:


o princípio da proporcionalidade no processo penal destina-se a regulamentar a confrontação indivíduo-Estado, de um lado, os interesses estatais na realização da investigação criminal e da persecução penal em juízo, visando ao exercício do ius puniendi para a concretização do Direito Penal; de outro lado, o cidadão investigado ou acusado, titular de direitos e garantias individuais, que tem interesse na preservação do “ius libertatis”. Tem a finalidade, portanto, de equilibrar essa relação aparentemente contraditória de interesses, para evitar tanto a violação dos direitos fundamentais do particular, quanto o comprometimento da atividade estatal na repressão da criminalidade

 

Assim, neste momento, será apresentado o debate quanto aos limites e garantias constitucionais, bem como o papel do juiz nesta modalidade de investigação criminal.

 

2.1 AS CORRENTES DOUTRINARIAS DA EXCLUSÃO DE RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE INFILTRADO

 

Algo que devemos ter em mente ao analisar os fundamentos da infiltração de agentes é que, uma vez inserido em uma organização criminosa para obtenção de provas, o agente policial pode ser compelido a cometer alguns delitos. Esses atos podem ser necessários tanto para obter as provas desejadas quanto para conquistar a confiança dos membros da organização.


Sendo assim, a lei 12.850/13 adotou a inexigibilidade de conduta diversa para resguardar o agente infiltrado no cumprimento da missão. Assim, o agente que vier a cometer crimes, desde que respeitando a proporcionalidade e, a finalidade da investigação, o fato não será punido quando inexigível conduta diversa, ou seja, numa situação em que o agente necessita cometer um ato, que é passivo de punição pelo Estado, e que se o agente não o fizer poderia trazer um grande risco para a operação e, maiormente para sua vida, este poderá cometer tal ato criminoso não podendo ser punido, uma vez que a situação não permitia que ele agisse de forma diferente.


Todavia, antes da previsão expressa em norma, a doutrina divergia em quatro correntes quanto à responsabilidade penal do agente infiltrado, no âmbito das organizações criminosas, que são elas: escusa absolutória; excludente de ilicitude por estrito cumprimento do dever legal; atipicidade penal da conduta do agente infiltrado; exclusão de culpabilidade por exigibilidade de conduta adversa.

 

2.1.1 Escusa absolutória

 

As escusas absolutórias afastam a punibilidade da conduta, isentando de pena o agente para questões relacionadas a política criminal. Tal benefício possui um efeito similar aos casos de extinção da punibilidade, pois não modifica a estrutura analítica do crime, apenas livra p agente infiltrado da aplicação da pena.


A escusa absolutória é uma espécie particular de norma que isenta o agente policial culpável da pena elencada ao crime por ele cometido, por questões relacionadas a política criminal, ou seja, o critério adotado para que o fato não seja punido é a conveniência de aplicação da pena, nesses tipos de casos, há o crime, mas a pena é fulminada, deixando de ser aplicada (SALES, 1993).


Mesmo existindo uma semelhança com a excludente de ilicitude, que afasta o caráter ilícito ad conduta, e das excludentes de culpabilidade que afasta o juízo de reprovação da conduta, a escusa absolutória por sua vez, afasta apenas as consequências jurídicas, assim como ocorre com o perdão judicial, pois em ambos os casos o Estado renuncia ao direito de punir.


No entanto, é importante ressaltar que a escusa absolutória não afasta a culpabilidade, e esta por sua vez pode ser definida como um juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente, sendo assim, o agente ainda é culpável do ato por ele cometido, mas apesar disso não sofre punição, desde que ele aja de maneira proporcional, não excedendo os meios de realização necessários para o cumprimento de uma determinada ação (GRECO, 2015).


Para entender melhor sobre a escusa absolutória, deve-se levar em conta a forma de punir do Estado, uma vez que a doutrina majoritária adota a dogmática penal que conceitua o crime sob uma perspectiva tripartida, sendo ela fato típico:


Fato típico é o fato material no qual se identifica a efetivação de uma conduta prevista no tipo penal incriminador, e ainda, que afeta ou ameaça de forma relevante bens penalmente tutelados. Possui os seguintes elementos: conduta (dolosa ou culposa, omissiva ou comissiva); resultado jurídico/normativo; nexo de causalidade (entre a conduta e o resultado); tipicidade. Ilicitude, que esta por sua vez é a relação de antagonismo entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico. Em se tratando da culpabilidade, deve-se averiguar se o fato é culpável, buscando a presença dos elementos essenciais da culpabilidade, quais sejam: a) imputabilidade; b) potencial consciência sobre a ilicitude do fato; c) exigibilidade de conduta diversa, existindo alguns desses elementos no fato em questão, então se exclui a culpabilidade (teoria do crime em síntese, 2022).

Para os adeptos dessa corrente, o agente infiltrado ao cometer crimes no curso da infiltração dentro dos limites da autorização judicial e sob a égide proporcionalidade, está amparado pela escusa absolutória, sendo isento de pena por uma questão de conveniência do Estado, restando os crimes praticados no curso da infiltração íntegros do ponto de vista analítico, ou seja, para fixar, fato é típico, ilícito e culpável, fulminada apenas a punibilidade.

 

2.1.2 Excludente de ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal

 

Como dito no tópico anterior, a doutrina majoritária adota o conceito analítico d crimes que analisa as características ou elementos que compõe a infração penal. A ilicitude ou antijuridicidade, que estabelece a contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico penal, segundo tal teoria, é um dos elementos que compõem o crime, ou seja, adota-se, portanto, de acordo com essa visão analítica, o conceito de crime como fato típico, ilícito e culpável (GRECO, 2015).


A ilicitude ou antijuridicidade, que estabelece a contrariedade entre a conduta do agente e o ordenamento jurídico penal, segundo essa teoria, é um dos elementos que compõe o crime, sendo assim, partimos do princípio de que a conduta do agente confronta com o que dispõe norma penal, ou seja, contrário ao direito.


O Código Penal elenca as causas de exclusão da ilicitude no Título II em seu art. 23 que dispõe acerca das causas de justificação e trata ainda do excesso punível em seu parágrafo único:


Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: 
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa; 
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

 

Então, com base no que foi lido no artigo acima, não há o que se falar em crime quando o agente pratica o fato no estrito cumprimento do dever legal.


A corrente que adota o estrito cumprimento do dever legal como fundamento para justificar a inexistência de crimes praticados pelo agente infiltrado compreende que este, mesmo cometendo crimes inerentes à medida, estaria apenas cumprimento seu dever lega, não sendo a sua conduta contraria ao direito, desfigurando o crime tendo em vista o afastamento da ilicitude da ação praticada.

 

2.1.3 Atipicidade penal da conduta do agente infiltrado

 

O Estado, por meio de Leis criadas por ele, procura impedir que algumas condutas de serem praticadas, uma vez que essa traz prejuízos para o convivo em sociedade, e essas condutas estão tipificadas no Direito Penal.


É importante frisarmos que o tipo penal é um instrumento legal, e extremamente necessário, que possui uma natureza descritiva e tem como função individualizar condutas humanas que são penalmente relevantes (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2011).


A tipicidade é a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto pelo legislador no tipo penal, a luz do princípio da legalidade. Ou seja, por mais que a conduta praticada pelo agente se assemelhe ao modelo em abstrato previsto no tipo penal, se não ocorrer a adequação perfeita, não haverá tipicidade.


Em se tratando de tipicidade no âmbito jurídico, esta é composta pela tipicidade formal, que é a relação de enquadramento entre um fato e a norma penal; e a tipicidade material, que é a lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (DICIONARIO JURIDICO, 2022).


No entanto, é importante ressaltar que Segundo Eugenio Raúl Zaffaroni e José Pierrageli (2011, p. 400), a tipicidade penal seria composta pela tipicidade formal, e a tipicidade conglomerante, onde esta, por sua vez, seria constituída pela tipicidade material, e a antinormatividade. Esta tipicidade conglomerante surge, quando no caso concreto, o agente pratica atos antinormativos, isto é, contrário as normas penais, e não é imposta ou originado por elas.


Neste sentido, a conduta do agente infiltrado dentro de uma organização criminosa, apesar de ser típica, esta seria desprovida de tipicidade conglomerante, com base na antinormatividade, uma vez que a conduta praticada pelo agente foi autoriza pelo direito por meio de decisão judicial, e também foi o ato necessário e cabível para o momento.


Outra faceta da atipicidade da conduta do agente infiltrado se revela ao analisarmos os elementos que compõem o tipo penal que se subdivide em elementos objetivos e elementos subjetivos. Sendo os elementos objetivos como o autor da ação, uma ação ou omissão, um resultado, nexo causal, e imputação objetiva; e os elementos subjetivos como todas as características relacionadas à produção de um tipo penal objetivo - dolo e culpa (TIPO E TIPICIDADE, TIPO OBJETIVO E TIPO SUBJETIVO. DOLO E CULPA, 20175).


Em se tratando dos elementos subjetivos, em foco, o dolo, por sua vez, é considerado como uma vontade determinada, e que, como qualquer vontade, pressupõe um conhecimento determinado daquela determinada ação (ZAFFARONI, PIERANGELI, 2011).


Já para Hans Welzel (apud GRECO, 2015) a conduta consciente e voluntária do agente é dirigida a um fim, sendo assim, deve ser levada em consideração a finalidade buscada pela prática do ato. Desse modo, pode-se concluir que o dolo é composto por um elemento intelectual, devendo o agente ter consciência do fato, e por um elemento volitivo, ou seja, que provém da vontade.


Dessa forma, entende-se que o agente pratica o ato delitivo, visando a concretização do crime, no entanto, segundo os adeptos desta corrente afirma que a conduta do agente infiltrado é atípica, uma vez que ele inserido numa organização criminosa, pratica atos delitivos não visando a concretização do crime, mas sim com o animus de desarticular a organização criminosa, desconfigurando assim a tipicidade conglobante e por sua vez descaracterizando a tipicidade, que é a conjugação da tipicidade formal e da tipicidade conglobante.

Nas lições de Cunha e Pinto (2013, p. 16):


Esta atipicidade poderia decorrer de duas linhas de raciocínio distintas: A atipicidade poderia derivar da ausência de dolo por parte do agente infiltrado, uma vez que ele não age com a intenção de praticar o crime, mas visando auxiliar a investigação, a punição dos integrantes da organização criminosa. Faltaria, assim, a imputação subjetiva. De outro lado, a atipicidade poderia derivar da ausência de imputação objetiva, porque a conduta do agente infiltrado consistiu numa atividade de risco juridicamente permitida, portanto, sem relevância penal.

 

2.1.4 Exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conduta diversa

           

O princípio da inexigibilidade de conduta diversa, é uma excludente de culpabilidade, ou seja, se o agente está em uma determinada situação, que não pode agir de outra maneira, colocando em risco não somente a operação ao qual ele está realizando, mas também sua identidade e consequentemente sua vida e de seus familiares e amigos, então por mais que o ato por ele praticado seja tipificado no Direito Penal, este não responde por crime.


No entanto, se o agente, no momento da ação, praticar uma conduta exagerada e que ultrapasse os limites necessários para o cumprimento daquela ação, este então responderá não pelo crime, mas pelo excesso cometido, como dispõe o art. 13, da Lei 12.850/13: “Art. 13 – O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.”


Apesar do tema não ser uníssono entre os doutrinadores, autores como Rogério Sanches Cunha (2017), concordam com a posição do legislador como afirma o referido autor:


Com essa solução, sendo o agente infiltrado induzido, instigado ou auxiliado a praticar um crime no âmbito da organização, respeitando a proporcionalidade e sem extrapolar a finalidade da investigação, sendo dele inexigível conduta diversa, exclui-se apenas a culpabilidade do injusto por ele praticado, permanecendo típico e ilícito, possibilitando, de acordo com a teoria da acessoriedade limitada, a punição dos partícipes (integrantes da organização) pelo delito praticado (CUNHA, 2017).

 

2.1.5 A responsabilidade penal do agente infiltrado no meio virtual

 

Com a chegada da Lei 13.441/17, foi dado um grande passo no tocante a obtenção de provas, pois foi incluído a infiltração de agentes policiais no meio virtual. Apesar de existir vários embates doutrinários quanto a possibilidade do emprego de agentes infiltrados no meio cibernético, ainda não havia uma legislação que trouxesse essa medida.


No entanto, por ser um assunto muito recente, os limites empregados na infiltração policial no ambiente virtual, são diferentes das infiltrações policiais comuns, e com isso, exaustivos debates doutrinários são travados para fixarem os limites de determinada ação.


Assim, mesmo ante as limitações do emprego da medida, que esta só pode ser executada por agentes policiais civil ou federal, que possuem um perfil específico para a infiltração na esfera virtual, que por sua vez seria o conhecimento das ciências da computação, acaba sendo consequência da medida que o agente cometa crimes.


Uma vez que cometer crimes em uma operação de infiltração é algo que não possa ser mudado, os legisladores procuram sempre estar buscando uma forma de isentar o agente infiltrado da conduta criminosa que ele necessariamente cometerá como dispõe o art. 190-C do ECA, pois segundo ele não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade de crimes, crimes estes relacionados aos casos onde a dignidade sexual da criança e do adolescente é prejudicada. E apesar de existir esse amparo no artigo, isto não quer dizer que o agente pode estar cometendo crimes a torta e a direita, uma vez que ele responderá por excesso na conduta, como dispõe o parágrafo único deste mesmo artigo, e como ja foi explicado anteriormente neste mesmo capítulo (BRASIL, 1990).


Da mesma forma também se encontra disposto no art. 10-C da Lei 12.850/13:


Art. 10-C. Não comete crime o policial que oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos no art. 1o desta Lei. Parágrafo único. O agente policial infiltrado que deixar de observar a estrita finalidade da investigação responderá pelos excessos praticados. (BRASIL, 2013).

 

Como pode ser observado, com relação a exclusão de responsabilidade da conduta do agente, o legislador, ao regulamentar sobre, adotou, de uma forma expressa, a inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que só responde por crime se, não houver outra forma de conduta, pois havendo, este responderá por crime, da mesma forma no caso de excesso na conduta.


Ainda em se tratando do art. 10-C, da Lei de Organizações Criminosas, e do art. 190-C do ECA, o legislador foi omisso com relação a exclusão de culpabilidade de responsabilidade que incidira sobre a conduta o agente virtual infiltrado que vier a cometer crimes no âmbito da operação.


Apesar de a doutrina ver tal omissão como ponto positivo, isso não parece razoável, pois o agente está agindo em conformidade com a lei em sentido amplo, pois há uma autorização judicial que o rege. Tendo em mente, que tal operação foi consentida, obtendo autorização judicial, o legislador, ao prever causa de inexigibilidade de conduta diversa, afirma que a conduta do agente é típica, e ilícita, afastando apenas a exclusão de responsabilidade do agente se fazendo mais condizente com a situação ao qual se encontra o agente infiltrado.


Mesmo com autores como Flávio Cardoso Pereira (2017) discordarem da omissão do legislador ao apontar causas de exclusão da responsabilidade do agente em que é necessário a prática de crimes, apenas se limita a apontar que o agente policial infiltrado no meio virtual que deixar de observar a estrita finalidade da investigação, irá responder pelos excessos praticados.


É importante ressaltar que, na votação da Comissão de Constituição e Justiça do Projeto de Lei do Senado, que tinha por finalidade incluir a Lei 13.441/17, em nosso ordenamento jurídico, pode-se ver uma clara preocupação da deputada Cristiane Brasil, em tratar da atipicidade da conduta do agente que vier invadir dispositivos informáticos no âmbito da infiltração virtual (BRASIL, 2015).


Observa-se que o referido dispositivo legal afasta o crime da conduta do agente que ocultar a sua identidade com o fim específico de colher indícios de autoria e materialidade dos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, no entanto, a criação de uma identidade fictícia é algo inerente à infiltração de agentes, seja ela presencial ou virtual.


Segundo o art. 190-D, do ECA, este dispõe que o perfil falso, ou melhor dizendo, a identidade fictícia do agente, para uma melhor viabilização da mesma, pode ser feito registros dela e cadastros públicos, adicionados informações fictícias nos bancos de dados e órgãos de registros, para que assim, exista uma maior taxa de sucesso e efetivada na infiltração do agente (BRASIL, 1990).


No entanto, mesmo havendo essa excludente supracitada, o mesmo não se aplica a invasão de dispositivos informáticos, pois o ato de ocultar a identidade não é característico do crime de invasão de dispositivos informáticos.


Os crimes que ensejam a infiltração virtual no âmbito da Lei 13.441/2017 são aqueles cujo bem jurídico tutelado é a dignidade sexual de crianças e adolescentes, abrangendo a produção e a distribuição de material contendo pornografia infanto-juvenil, a aquisição e o armazenamento de tal material, a simulação da participação em cenas de sexo explícito e o aliciamento para a prática libidinosa com criança ou adolescente (BRASIL, 2017).


Além disso, o instituto também se aplica na investigação dos crimes de invasão de dispositivo informático, estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação da lascívia mediante presença de criança ou adolescente e favorecimento a prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, tipificados no Código Penal (BRASIL, 1940).


Nos casos de armazenamento e a posse de material pornográfico, no âmbito da investigação, apesar da omissão existente na lei 13.441/17, o próprio ECA afasta a exigência de crimes ligados a este tipo de conduta com a finalidade específica de comunicar as autoridades competentes sobre a ocorrência de tais crimes, como dispõe o art. 241-B, §2º, I, do ECA:


§ 2 o Não há crime se a posse ou o armazenamento tem a finalidade de comunicar às autoridades competentes a ocorrência das condutas descritas nos arts. 240, 241, 241-A e 241-C desta Lei, quando a comunicação for feita por:
I – agente público no exercício de suas funções.

 

Verifica-se que o legislador optou por deixar em aberto o tratamento jurídico a respeito da responsabilidade penal do agente que, no curso da investigação devida autorizada pelo poder judiciário, sem exceder os limites impostos pela mesma, cometer crimes inerentes a infiltração virtual de agentes.


Como pôde ser analisado, compreende-se que a infiltração de agente policial, comum, e no meio virtual, traz consigo um caráter invasivo, tanto na medida, quanto nos bens jurídicos tutelados nos crimes em que se aplica, como é o caso dos crimes envolvendo a dignidade sexual da criança e do adolescente, fazendo-se necessário racionalizar e buscar pontos de equilíbrio na execução da medida no caso concreto.


Dessa forma, os estudos acerca da infiltração virtual de agentes policiais devem continuar para que se alcance uma visão mais clara e concreta, que traga segurança jurídica ao agente infiltrado virtual, respeitando os limites da norma e os direitos do investigado.

 

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Para o combate eficaz de determinadas práticas e organizações criminosas, a utilização de agentes infiltrados se mostra necessária, apesar de ser considerada a última medida. Esta abordagem, embora eficaz na coleta de provas que corroborem investigações e processos judiciais, implica riscos significativos, não apenas para a vida do agente infiltrado, mas também para seu círculo familiar e de amigos. Conforme abordado e analisado neste artigo científico, observou-se que é praticamente inevitável que o agente infiltrado cometa alguns atos delitivos durante a operação. Tais atos são necessários para manter sua identidade e não comprometer a investigação.


Diante dessas constatações, e considerando tudo o que foi apresentado ao longo deste estudo, é crucial reconhecer que a infiltração policial inevitavelmente envolve a prática de certos delitos pelo agente. Portanto, a criação de excludentes de responsabilidade penal torna-se imperativa para que esses atos não prejudiquem a carreira do agente nem sua integridade pessoal. Estas excludentes garantem que os agentes possam cumprir suas missões sem o medo constante de repercussões legais injustas, permitindo-lhes operar com a confiança necessária para desmantelar organizações criminosas de maneira eficaz.


Deve-se destacar a importância do controle judicial rigoroso durante todo o processo de infiltração, assegurando que as ações dos agentes estejam em conformidade com os princípios legais e éticos. Somente através de um sistema judiciário vigilante e imparcial é possível garantir que o uso de agentes infiltrados ocorra de forma justa e equilibrada, protegendo tanto os direitos dos investigados quanto a integridade dos agentes, e mantendo, assim, o estado de direito.


 

4. REFERENCIAS

 

BRASIL. Decreto Lei nº 284, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm. Acesso em 22/03/2022.

 

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CUNHA, Rogério Sanches. Infiltração de agentes de polícia para a investigação de crimes contra a dignidade sexual de criança e de adolescente (Lei 13.441/17). 2017. Disponível em: http://meusitejuridico.com.br/2017/05/09/infiltracao-de-agentes-de-policia-para- investigacao-78de-crimes-contra-dignidade-sexual-de-crianca-e-de-adolescente-lei- 13-44117 Acesso em: 10 abr. 2019.

 

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publicação de artigo científico

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Como citar esse artigo:


NAVARRO, Clovis Mattera. Garantismo constitucional na investigação e a importância do controle judicial. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 228-242. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.016



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