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Maristela Palmeira de Barros Souza

INTERPRETAÇÃO, CONTROLE E INTEGRAÇÃO: AS FUNÇÕES DA BOA- FÉ OBJETIVA COMO NORTEADORAS DOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

INTERPRETATION, CONTROL, AND INTEGRATION: THE FUNCTIONS OF OBJECTIVE GOOD FAITH AS GUIDING PRINCIPLES IN BUSINESS CONTRACTS


 

Informações Básicas

  • Revista Qualyacademics

  • ISSN: 2965-9760

  • Tipo de Licença: Creative Commons, com atribuição e direitos não comerciais (BY, NC).

  • Recebido em: 31/05/2024

  • Aceito em: 06/06/2024

  • Revisado em: 17/06/2024

  • Processado em: 18/06/2024

  • Publicado em 19/06/2024

  • Categoria: Estudo de Revisão


 




Como referenciar esse artigo Souza (2024):


SOUZA, Maristela Palmeira de Barros. Interpretação, controle e integração: as funções da boa- fé objetiva como norteadoras dos contratos empresariais. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 288-301. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.020



Autora:


Maristela Palmeira de Barros Souza

Advogada, pós-graduada, pela: Escola de Magistrados da Bahia – EMAB – Universidade Federal da Bahia – UFBA, Pós em Direito e Magistratura. Pós-Graduada, pela: Universidade Salvador – UNIFACS – Especialização em Direito Contratual Cível e Consumerista. Graduada em Direito, pela Universidade Católica do Salvador – UCSAL. Contato: maristelabarros.juridico@gmail.com.





RESUMO


A presente pesquisa se ocupa da apreciação da imprescindibilidade da incidência das funções da boa-fé objetiva, quais sejam hermenêutica, integradora e de controle, nos contratos empresariais. As funções articuladas não são passíveis de descuido, dada a obrigatoriedade flagrante de observância de seus preceitos. Neste aspecto, não há escolha para os contratantes, uma vez que a boa-fé objetiva é de regular apreciação. O objetivo deste estudo é relacionar a aplicação do tridimensionalismo das funções da boa-fé objetiva aos contratos empresariais. Para tanto, inicialmente, averigua-se, com base no estudo sobre os Elementos de Teoria Geral do Direito, o desempenho do Direito como regulador da sociedade. Além disso, realiza-se um breve encontro de ideias a respeito da teoria dos princípios. Posteriormente, discorre-se sobre a boa-fé objetiva, ressaltando-se sua importância. A metodologia do estudo inclui a análise de doutrinas jurídicas e a revisão de casos judiciais relevantes para demonstrar a aplicação prática dessas funções nos contratos empresariais. A justificativa para este estudo reside na necessidade de compreender melhor como a boa-fé objetiva pode nortear e assegurar a integridade e a justiça nas relações contratuais empresariais. Os principais resultados indicam que a aplicação consistente das funções hermenêutica, integradora e de controle da boa-fé objetiva nos contratos empresariais contribui significativamente para a prevenção de litígios, a promoção da confiança entre as partes e a consolidação de um ambiente de negócios mais justo e previsível.

 

Palavras-chave: Funções da Boa-Fé Objetiva, Contratos Empresariais.

 

ABSTRACT

 

This research focuses on the necessity of the application of the functions of objective good faith—namely hermeneutic, integrative, and controlling functions—in business contracts. These articulated functions cannot be neglected, given the clear obligation to observe their precepts. In this regard, the contracting parties have no choice, as objective good faith is regularly applied. The objective of this study is to relate the application of the tridimensional functions of objective good faith to business contracts. To achieve this, the study initially examines, based on the Elements of General Theory of Law, the role of law as a regulator of society. Additionally, it includes a brief discussion on the theory of principles. Subsequently, it discusses objective good faith, highlighting its importance. The study's methodology includes the analysis of legal doctrines and the review of relevant court cases to demonstrate the practical application of these functions in business contracts. The justification for this study lies in the need to better understand how objective good faith can guide and ensure integrity and justice in business contractual relationships. The main results indicate that the consistent application of the hermeneutic, integrative, and controlling functions of objective good faith in business contracts significantly contributes to the prevention of disputes, the promotion of trust between parties, and the consolidation of a fairer and more predictable business environment.

 

Keywords: Functions of Objective Good Faith, Business Agreements.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O presente artigo trata da aplicação do princípio da boa-fé objetiva por intermédio de suas funções nos contratos empresariais, tendo por base o ordenamento jurídico brasileiro. O estudo foi orientado pelo professor Dr. Ricardo Maurício Freire Soares, no sentido de adequar a coeva proposta aos ditames pré-estabelecidos pelo curso de Teoria Geral do Direito e Hermenêutica Jurídica da pós-graduação lato sensu, comportando uma averiguação do bom emprego da boa-fé objetiva pelos agentes econômicos, o qual se traduz em dever dos contratantes.


A problemática foi conduzida sob o seguinte aspecto: Por que a cláusula aberta das relações negociais, qual seja a boa-fé objetiva, cujas funções são interpretação, integração e controle das relações negociais, deve nortear também as contratações feitas pelos agentes econômicos? A hipótese de averiguação científica do problema supracitado reside no fato de que as relações hodiernas não mais se assentam sob o manto da ampla ou quase irrestrita liberdade negocial. Mesmo em contratos empresariais, esses devem ser abalizados na boa-fé objetiva, conforme delineamento prestado pela legislação brasileira.


Mediante o exposto, a opção pelo respectivo tema se justifica pela relevância social, dado que os negociadores empresariais não prescindem de sua acuidade. A partir dos delineamentos acima postos, o trabalho propõe analisar a aplicação do instituto jurídico da boa-fé objetiva aos contratos empresariais, começando pelo exame do exercício do Direito na sociedade, passando pelo estudo da teoria dos princípios, submergindo no conteúdo das funções da boa-fé objetiva, passeando pelo seu contexto histórico e culminando em sua forçosa incidência nos contratos celebrados por empresários.


Neste contexto, tem-se que o objetivo geral deste estudo é destacar a importância das funções da boa-fé objetiva. O objetivo específico é delinear as funções da boa-fé objetiva, remetendo a sua aplicação aos contratos empresariais.

 

2. O DIREITO COMO REGULADOR DA CONDUTA HUMANA

 

O Direito é a última ratio, ou última força, barreira criada pela própria sociedade para regrá-la, subjugando as conveniências aos ditames consistentes, a fim de se buscar a pacificação social. Sendo, portanto, o responsável por organizar os empenhos contrapostos. A linha de raciocínio de José Adércio Leite Sampaio (2005) é no sentido de se compreender que o direito positivado exerce uma função fortalecedora do ente Estatal e que as liberdades modernas pressupõem um Estado mínimo. De modo que, não há mais falar em liberdade sem qualquer intervenção. Antônio Carlos Wolkmer (2008), coadunando com a ideia, assevera que “a lei expressa a presença de um direito ordenado na tradição e nas práticas costumeiras que mantém a coesão grupal”.

 

2.1 O PAPEL DO DIREITO NA SOCIEDADE

 

O Direito, como ciência social aplicada, atua como regulador das condutas humanas, estabelecendo normas que delimitam o comportamento aceitável e, consequentemente, moldam a convivência social. Ele não apenas define obrigações e direitos, mas também cria mecanismos de controle e sanção para assegurar a observância dessas normas. É através do Direito que se busca a pacificação social, garantindo que conflitos de interesses sejam resolvidos de forma justa e ordenada, evitando a anomia e a arbitrariedade.

 

2.2 FUNÇÃO POSITIVISTA DO DIREITO

 

A perspectiva positivista do Direito, como destacado por José Adércio Leite Sampaio (2005), enfatiza a necessidade de um sistema normativo claro e estruturado que fortaleça a autoridade do Estado. Nesse contexto, o Direito positivado serve como um instrumento de fortalecimento do ente estatal, assegurando que as liberdades individuais e coletivas estejam subordinadas a um conjunto de regras preestabelecidas. Isso é crucial para a manutenção da ordem e da segurança jurídica, elementos essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade justa e equitativa.

 

2.3 LIBERDADES MODERNAS E O ESTADO MÍNIMO

 

O conceito de liberdades modernas está intrinsecamente ligado à ideia de um Estado mínimo, onde a intervenção estatal é limitada e as liberdades individuais são amplamente garantidas. No entanto, essa liberdade não é absoluta e deve ser exercida dentro dos limites impostos pelo Direito. O equilíbrio entre a liberdade individual e a autoridade estatal é fundamental para garantir que a liberdade de um não interfira nos direitos de outro, promovendo assim um ambiente de respeito mútuo e cooperação social.

 

2.4 TRADIÇÃO E PRÁTICAS COSTUMEIRAS

 

Antônio Carlos Wolkmer (2008) argumenta que a lei reflete a presença de um direito ordenado baseado na tradição e nas práticas costumeiras, que são essenciais para a coesão grupal. O Direito, portanto, não é uma entidade estática, mas uma construção dinâmica que evolui com a sociedade, incorporando valores e normas que emergem das práticas sociais e culturais. Esse aspecto histórico e cultural do Direito reforça sua legitimidade e eficácia, pois as normas legais são vistas como um reflexo dos valores compartilhados pela comunidade.

 

3. TEORIA DOS PRINCÍPIOS

 

Na lição de Ricardo (2016), “os princípios figuram como os pressupostos necessários de um sistema particular de conhecimento e a condição de validade das demais asserções que integram um dado campo do saber humano”. Os princípios servem ao esclarecimento do sentido, do alcance e da aplicação da norma jurídica, tornando-a plenamente aplicável. Assim é que, diferentemente das regras, as quais “disciplinam uma situação jurídica determinada, para exigir, proibir, facultar uma conduta em termos definitivos” (Ricardo, 2016), os princípios são norteadores em abstrato, detendo, portanto, sentido amplo.


Sobre essa diferenciação, cabe advertir, por intermédio do autor Robert Alexy (2008), que existe uma notada semelhança e dessemelhança entre as regras e os princípios. Aquele episódio decorre do fato de que “tanto as regras quanto os princípios são normas, porque ambas dizem o que deve ser” (Alexy, 2008). Esse, por sua vez, é originado ao se referir ao “mandamento”. Alexy (2008) aponta que os princípios são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Por outro lado, pelo entendimento desse autor, compreende-se que as regras “são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, se deve fazer aquilo que ela exige” (Alexy, 2008).


Portanto, compreende-se que os princípios, pelos autores supramencionados, são dotados, além de generalidade, de possibilidade jurídica, independendo da fática. Enquanto as regras são mais incisivas, nos sentidos de terem aplicação direta sobre o fato. Igualmente, atina-se, agora, à verificação das funções exercidas pelos princípios, sob a disciplina de Ricardo Maurício (2016). Por esse, entende-se que tais podem ser demarcadas como: supletiva, fundamentadora e hermenêutica. A função supletiva dos princípios, na ideia do doutor suprarreferido, pode ser vista como um elemento que integra os espaços não preenchidos no ordenamento jurídico. No que tange à função fundamentadora, observa-se que remete ao serviço de embasamento do direito positivo, sendo, assim, ideias centrais. A função hermenêutica, por sua vez, pode ser evidenciada através da limitação do subjetivismo do aplicador do direito. Sendo, finalmente, uma orientação interpretativa.

 

4. A BOA-FÉ OBJETIVA

 

4.1. APLICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA

 

Pode-se encontrar a gênese do princípio da boa-fé objetiva, como se conhece, no Direito Romano, através das aplicações feitas pelos juízes, quando da avaliação das minudências encontradas nas relações negociais. Clovis do Couto e Silva (2007) ensina que a boa-fé incidia desde a celebração do negócio jurídico. Assim é que o iudex (juiz) apurava por meio das actiones ex fide bona (ações derivadas dos contratos; ações de boa-fé) a lisura das partes, utilizando-se, para tanto, da ética. De acordo com a ilação extraída das linhas descritas por Judith Martins-Costa (2015), fides se refere à ideia de “confiança, colaboração, auxílio mútuo, respeito à palavra dada”, remetendo seu nascedouro “à própria fundação de Roma, equivalendo-se dizer que é tão antiga quanto a instituição da clientela”.


No Brasil, antes do advento do Novo Código Civil, Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que vigorou em 2003, a boa-fé possuía um tímido uso, refletindo, tão somente, o seu aspecto subjetivo, ao ser aplicada como opção de interpretação de ambiguidades, ou como meio de averiguação do erro ou ignorância. Avaliando, assim, o elemento psíquico definidor desse estado, sobre algum fato ou direito. Ainda, Adalberto Pasqualotto (2000) entende que a boa-fé subjetiva, ou boa-fé crença, “corresponde a uma noção de erro, visto que implica em uma percepção equivocada da realidade”. Já o Código Civil de 2002 demonstra princípios basilares, dentre os quais se pode destacar a Eticidade, dando azo, assim, à preceituação da boa-fé objetiva. Assim, o princípio basilar da Eticidade, conforme Divanir Marcelo de Pieri (2005), determina que o ordenamento jurídico deve estar pautado na ética. O professor Clovis do Couto e Silva (2007) assevera sobre a boa-fé que “o nosso código Comercial o incluiu como princípio vigorante no campo obrigacional e relacionou-o também com os usos de tráfico”.

 

4.2. FUNÇÕES DA BOA-FÉ OBJETIVA

 

Nesse passo, convém falar acerca das funções da boa-fé, ressaltando a sua imprescindibilidade às negociações, haja vista que não há mais discorrer em contratações somente à luz de letra fria da lei, utilitária, sem apreender os ditames da sociedade e da economia. Por esse motivo, é que o professor Adalberto Pasqualotto (2000) assevera que a boa-fé objetiva deixou de ser apenas um princípio, para se tornar um arquétipo direcionado aos contratantes, passando a emanar, desde então, uma dupla função, isto é, função ativa e reativa.


A função ativa da boa-fé objetiva implica que a vontade, exclusivamente, não é a única motivação para a celebração de um negócio jurídico. Outras demandas influenciam a negociação, e nesse contexto, a ética, honestidade e lealdade devem ser guardadas, observadas e praticadas por quaisquer celebrantes, tendo-as como guias de todas as suas condutas, a fim de dedicar validade aos seus desempenhos. Compreende-se que ambas as partes, credor e devedor, são titulares tanto de direitos quanto de obrigações, em mesma magnitude. Isso decorre das linhas escritas por Clovis do Couto e Silva (2007), ao afirmar que a boa-fé “endereça-se a todos os partícipes do vínculo e pode, inclusive, criar deveres para o credor, o qual tradicionalmente era apenas considerado titular de direitos”.


Outrossim, o autor notabiliza que a mudança ocorrida na relação obrigacional, que outrora beneficiava mais ao credor, se deveu ao fato de passar a existir um elo de cooperação entre os contratantes. A boa-fé objetiva, portanto, é um parâmetro que não pode ser posto à margem, pois determina a finalidade social do negócio jurídico, por intermédio de suas funções. Por cabível, cita-se Carlos Eduardo Iglesias Diniz (2016), o qual, por meio de um estilo didático, revela as ditas funções da boa-fé objetiva, retirando-as de três artigos do Novo Código Civil Brasileiro. Assim, tem-se atribuído à boa-fé objetiva uma tríplice função no sistema jurídico:


1.   Função Hermenêutica/Interpretativa: Diz respeito à exigência da interpretação das cláusulas contratuais sob o manto da lealdade e honestidade.
2.   Função Integradora: Serve como fonte normativa de deveres jurídicos, que podem até mesmo pré-existir à conclusão do contrato, bem como sobreviver à sua extinção.
3.   Função Restritiva: Fonte normativa de restrições ao exercício de posições jurídicas.

Essas três funções estão bem delineadas, respectivamente, nos artigos 113, 422 e 187, todos do Código Civil.


Esses aludidos artigos do Código Civilista (Brasil, 2002) comandam:


Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que ao exercê-lo excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

 

Assim é que, segundo Diniz (2016), a função de número um (função hermenêutica/interpretativa) arrazoa sobre a exigência da interpretação das cláusulas contratuais sob o manto da lealdade e honestidade. Destinada, portanto, ao intérprete do negócio, o qual averiguará se as partes conduziram a relação pautadas no comportamento que se espera do homem médio. Na visão de Leonardo de Medeiros Garcia (2015),


através da boa-fé objetiva, o juiz deve interpretar as cláusulas contratuais de modo a desconsiderar a malícia da parte que se vale de evasivas para criar convenções duvidosas, a fim de obter vantagens incomuns; bem como as cláusulas lacunosas ou imprecisas deverão ser interpretadas de acordo com o que, normalmente, são entendidas pelos indivíduos (Garcia, 2015).

 

Entende-se que o magistrado exerce a sua interpretação, sopesando os fatos que poderiam se confiar em determinada contratação, para, a partir daí, abranger quais seriam os reais deveres dos contratadores. Doutra sorte, a função de número dois é abordada, mediante a inferência de Diniz (2016), como “fonte para criação (supplendi) de deveres anexos à prestação principal”. Dessa feição, vê-se patente o papel integrador da boa-fé objetiva, isto é, o de suplementar à obrigação principal. As partes arrestam, além das obrigações expressamente previstas em negociação, os chamados deveres anexos, que segundo Leonardo de Medeiros Garcia (2015), não são taxativos, podendo ser exemplificados como: “deveres de informação, conselho, cooperação, de segredo, não concorrência, de lealdade”. Compreende-se, dessa forma, que os contratantes precisam guardar, em todas as etapas da negociação, a honestidade correspondente, pois que, do contrário, ter-se-á, em verdade, uma não contratação. Forma que o direito empreendeu, com escopo no forçoso cumprimento das obrigações compactuadas.


A terceira função, para Diniz (2016), prevista no artigo 187 do Código Civil de 2002, refere-se ao abuso de direito. Assim, significa dizer que o artigo “veda comportamentos que, muito embora sejam admitidos por lei ou pelo contrato, possam colidir com o conteúdo da cláusula geral”. Pelo que defende a confiança mútua a ser obrigatoriamente impingida em todas as relações negociais. Para o professor Miguel Reale (2006), “o agente que, nos termos do art. 187, excede manifestamente os limites impostos pelo fim econômico ou social e pelos bons costumes”. Devendo o seu desempenho negativo ser severamente combatido pelo direito. Eis que o direito não pode permitir que os interesses desvirtuados da função social, de uma das partes ou de ambas, persistam ferindo a toda a coletividade. Com tom de arremate, o afamado Miguel Reale (2003), ensina que:


A boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências (Reale, 2003).

 

5. APROVEITAMENTO NOS CONTRATOS EMPRESARIAIS

 

Disso transcursa, o imperativo do emprego da boa-fé objetiva, não só nas negociações, como também, na “realização da justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa, consuetudinária, jurisdicional” (Reale, 2006). Dito isso, cumpre-se concluir a pesquisa, sem pretensão de exaurimento do tema, com o coerente emprego do princípio da boa-fé objetiva aos contratos empresariais. Nesse contexto, mediante o julgamento de Recurso Especial, o Superior Tribunal de Justiça (Brasil, 2012), compreende-se que as partes necessitam guardar a lisura na relação perpetrada, não podendo exprimir comportamento contraditório, ferindo, assim, o consubstanciado pela cláusula geral da boa-fé objetiva:


RECURSO ESPECIAL. DIREITO CAMBIÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE TÍTULO DE CRÉDITO. NOTA PROMISSÓRIA. ASSINATURA ESCANEADA. DESCABIMENTO. INVOCAÇÃO DO VÍCIO POR QUEM O DEU CAUSA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. APLICAÇÃO DA TEORIA DOS ATOS PRÓPRIOS SINTETIZADA NOS BROCARDOS LATINOS 'TU QUOQUE' E 'VENIRE CONTRAFACTUM PROPRIUM'. 1. A assinatura de próprio punho do emitente é requisito de existência e validade de nota promissória. 2. Possibilidade de criação, mediante...

 

Pelo desvendado, percebe-se que as partes não podem dar causa a uma argumentação de exercício de um direito, que lhe seja contraditório em relação à sua postura anteriormente tomada. Pode-se, nesse ponto, ponderar que o Novo Código Civil Brasileiro é um manancial de obrigações, destinado, dentre outros papéis, aos contratantes empresariais. Tal artifício, na visão do professor Tarcísio Teixeira (2006), pode ser medido em período anterior à vigência do Código de 2002:


O Direito Obrigacional Empresarial já se socorria das normas do Direito Civil (às ordenações até 1916 e ao Código Civil após 1916, conforme previsão expressa no artigo 121 do Código Comercial. O que nos leva a perceber – de imediato – que a expressão “unificação do Direito Obrigacional” pode nem sempre ser a mais adequada (Teixeira, 2006).

 

Veja-se o citado artigo 121 do Código Comercial (Brasil, 1850): "As regras e disposições do Direito Civil para os contratos em geral são aplicáveis aos contratos comerciais, com as modificações e restrições estabelecidas nesse Código".


De todo o jeito, há de se compreender a imensa influência civilista sobre as contratações empresariais, guardando-se, contudo, as devidas proporções no que tange às especificidades do Direito de Empresa. Assim, rememora o mencionado autor, que apesar de muitos doutrinadores qualificarem o Direito Obrigacional Civil e Empresarial como uma “única fonte de obrigação”, isso não é veraz. Ocorre, em verdade, uma “unificação dos diplomas legais (civil e comercial), mas cada uma das obrigações (civil e comercial) continua guardando suas peculiaridades” (Teixeira, 2006). Teixeira (2006) ainda assevera a dinamicidade do Direito Empresarial, determinando que os contratos empresariais são de “criação” e “mutação”. Evidenciando desse jeito a rapidez e a frequência que lhes são ínsitas:


O Direito Civil é estável e o Direito Empresarial é de criação e mutação. Na vida civil, se contrata poucas vezes (se comprado com a vida mercantil) e se pensa muito antes de realizar, por exemplo, na compra e venda de imóvel para moradia da família. Na vida mercantil, se contrata reiteradamente, por exemplo, contrato de distribuição, franquia, know-how etc. (Teixeira, 2006).

 

Nota-se, assim, que o contrato é um negócio jurídico que exterioriza a vontade das partes. Nele deve estar expresso o real interesse a fim de se guardar a boa-fé desde o nascedouro. Mônica Queiroz (2012) adota um conceito no sentido de se reconhecer, além da bilateralidade, a pluralidade contratual, afirmando que possui conteúdo patrimonial “em perfeita colaboração recíproca das partes contratantes”. Já os contratos ditos empresariais captam os mesmos ares acrescidos, no entanto, de maior autonomia visto que são mais enérgicos, sendo crescentes em negociações. Fábio Ulhoa Coelho (2012) bosqueja antes de tudo a feição da ordem econômica adotada em linhas iniciais pela Constituição da República Federativa do Brasil. Destarte,


A Constituição desenhou para a ordem econômica um perfil neo-liberal (arts. 170 e s.); significa dizer que os postulados fundamentais da organização da atividade econômica no Brasil são os da liberdade de iniciativa e competição, isto é, a estrutura da economia é de livre mercado (Coelho, 2012).

 

Por conseguinte, em sua inteligência, o autor aponta que por esse viés “os empresários podem explorar as atividades de produção e circulação de bens ou serviços que quiserem, na forma que entenderem mais apropriada à implantação e desenvolvimento da empresa” (Coelho, 2012).

 

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Desse modo, analisa-se a importância das funções da boa-fé objetiva às negociações. Isso porque, se deflagra que as partes empresariais, em que pesem serem dotadas de extrema liberdade contratual, devem guardar a boa-fé em suas relações contratuais. Insta salientar que tal situação não passa da regulação da sociedade, pelo Direito, a fim de determinar os parâmetros de conduta, mantendo-se a pacificação social.


A posição neoliberal, adotada pela Carta Magna, é temperada pelos princípios. De modo que, embora a empresa tenha por fim perseguir o lucro, deve, ao mesmo tempo, estar focada na sociedade e no que melhor lhe convier. Tratando-se, assim, da sua função social.


Imprescindíveis, portanto, essas lições, tendo em vista que a boa-fé forçosamente incide nessas contratações, ainda que sejam dotadas de negociação ampla, que é a diferença existente entre contratos comuns e os empresariais.

Assim, obtém-se que a cláusula aberta da boa-fé objetiva é uma obrigação cominada às partes celebrantes do negócio jurídico empresarial, com fulcro na sustentação da ética e honestidade na contratação.


Tal conduta, relacionada à boa-fé, corresponde ao prescrito na Constituição da República Federativa do Brasil, ao se ordenar que as empresas devem atuar com base na função social. Impedindo, dessa forma, o retrocesso à irrestrita liberdade negocial, por qual período já se passou e percebeu-se que o controle social é muito mais benéfico, tendo em vista que proporciona uma maior segurança nas relações e um real crescimento da economia posta sobre bases fortes.

 

7. REFERÊNCIAS

 

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Como citar esse artigo:


SOUZA, Maristela Palmeira de Barros. Interpretação, controle e integração: as funções da boa- fé objetiva como norteadoras dos contratos empresariais. Revista QUALYACADEMICS. Editora UNISV; v. 2, n. 3, 2024; p. 288-301. ISSN: 2965-9760 | DOI: doi.org/10.59283/unisv.v2n3.020



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